Tudo que você precisa saber sobre a “nova” regulamentação do BACEN para marketplaces

Por Ana Capelhuchnik

O mercado tem discutido amplamente sobre a “nova” regulamentação dos Marketplaces pelo Banco Central do Brasil (BACEN) – os prazos, as regras, as definições geraram muitas dúvidas. Então, afinal, quais modelos de negócio serão afetados, de que forma, e o que devem fazer para se adequar às mudanças?

O que é um Marketplace?
O primeiro passo é entender o que é um Marketplace. É um modelo de negócios no qual uma empresa gerencia uma plataforma em que outras empresas ou pessoas vendem produtos e/ou serviços, garantindo ao comprador mais ofertas num mesmo ambiente. Popularmente, os marketplaces são chamados de shoppings virtuais, dada a semelhança com os shoppings do mundo offline.

Em síntese, marketplace pode ser tanto a plataforma que gerencia lojas de pequenos vendedores – que não teriam o investimento ou o conhecimento necessário para ter seu próprio e-commerce – quanto uma plataforma que centraliza grandes lojas em um mesmo lugar para ampliar a gama de ofertas aos compradores. Alguns exemplos de marketplaces são a Elo 7, Estante Virtual e Mercado Livre.

Vale lembrar também das grandes lojas varejistas que fazem ofertas de produtos de terceiros,independente de venderem produtos próprios – como Americanas e Submarino. Isso também é Marketplace.

“Nova” Regulamentação do BACEN para Marketplaces
A regulamentação não é exatamente nova. A novidade da qual o mercado tem falado tanto é a interpretação dada pelo do BACEN à Circular 3.682 de 2013 que passou a indicar que poderia considerar alguns Marketplaces como Facilitadores de Pagamentos e, portanto, integrantes dos Arranjos De Pagamentos.

Em 2015 a circular 3.765 introduziu algumas alterações importantes à regulamentação. Entre as principais inovações está a determinação de que todos os participantes dos Arranjos de Pagamentos participassem da Grade Única de Liquidação. É o que determina o art. 26.

A regulamentação, então, é de 2015. Contudo, em dezembro de 2016 o BACEN emitiu a circular 3.815 que também trouxe inovações à regulamentação original, introduzindo, entre outros, o art. 24-B, que fixou o prazo de 04 de setembro de 2017 para implantação da Grade Única de Liquidação. Entretanto, em 27 de julho de 2017 o Bacen emitiu a circular 3.842 que estendeu o prazo de adequação para 28 de setembro de 2018.

Como se vê, a novidade foi a estipulação de um prazo para que todos os participantes dos arranjos estivessem em uma Grade Única de Liquidação. E é exatamente pela proximidade deste prazo que a temática tem sido tão discutida.

Como forma de cumprir as determinações do BACEN, as principais bandeiras de cartão de crédito, instituidoras de arranjos de pagamentos, têm indicado que não permitirão a participação de instituições não integradas à grade única da Câmara Interbancária de Pagamentos – CIP em seus arranjos a partir do dia 28 de setembro de 2018. (Vamos falar da CIP e da grade de liquidação mais adiante, neste tópico).

Quais foram as mudanças?
Atualmente, qualquer estabelecimento comercial, seja ele um e-commerce, uma loja física ou um Marketplace, que deseja receber pagamentos por meio de cartões pode contratar um adquirente, um subadquirente ou intermediador de pagamentos – sem a necessidade de formalizar uma relação diretamente com as bandeiras de cartão. Isso pode mudar para alguns Marketplaces com a Grade Única de Liquidações, que devem ter que formalizar a participação no arranjo e estar integrados à CIP. Vale reiterar: apenas alguns Marketplaces, não todos.

Adquirente ou Credenciador é a instituição responsável pela relação entre os estabelecimentos comerciais e as bandeiras e emissores de cartões. No mercado de pagamentos também há Subadquirentes que são responsáveis pela relação entre alguns estabelecimentos comerciais e as adquirentes.

Marketplaces regulados pelo BACEN
Para entender quais Marketplaces poderão ser regulados, vale a pena entender qual foi a preocupação do BACEN ao editar as normas das quais falamos acima. De um modo geral, o objetivo do Bacen é diminuir os chamados risco de crédito e risco sistêmico. Trocando em miúdos: o risco de um valor se perder por falta de liquidez (pagamento) de algum participante da operação e o risco de um efeito dominó ocorrer no mercado se uma instituição quebrar e não conseguir pagar as outras instituições.

Para mitigar esses riscos, em 2002 o BACEN criou o Sistema de Transferência de Reservas – STR, do qual fazem parte as Câmaras de Compensação e Liquidação, as Instituições Financeiras e a Secretaria do Tesouro Nacional. O STR, em suma, permite a liquidação multilateral, em tempo real. Para exemplificar: imagine que a instituição A deve R$100,00 para a Instituição B, que por sua vez deve R$ 100,00 para a Instituição C, que deve R$150 para a Instituição A. Ao final da liquidação apenas a Instituição A receberá R$ 50,00 da Instituição C. No site do BACEN é possível encontrar informações completas sobre o Sistema Brasileiro de Pagamentos – SPB e o STR. A CIP é uma das câmaras participantes do STR.

Isso significa que estar na Grade Única de Liquidação da CIP é estar também no STR e, portanto, num ambiente cujos riscos são controlados e regulados pelo BACEN. A lógica então é relativamente simples: se de alguma forma uma instituição é responsável por valores que não são dela – e com isso assume um risco de crédito na cadeia de pagamentos – pode ser que ela deva fazer parte da liquidação na CIP.

Para trazer para a realidade dos Marketplaces: se o valor que o vendedor deve receber pelo produto ou serviço passa primeiro pelo Marketplace, que por sua vez, repassa o dinheiro – então esse Marketplace poder ser considerado um Facilitador de Pagamentos.

Mas nem todos os Marketplaces funcionam assim. São dois os modelos possíveis: (i) ou o Marketplace recebe o valor, retém suas taxas e comissões e repassa a parte do lojista; (ii) ou o pagamento é separado no ato da compra e tanto o lojista, quanto o Marketplace recebem suas partes isoladamente. No primeiro modelo, se o Marketplace for considerado Facilitador de Pagamentos, haverá a obrigação de integrar com a CIP, no segundo não.

O importante aqui é lembrar que quem tiver o dever de observar essas regras e não fizer parte dos arranjos de pagamentos ou não estiver na grade única da CIP, pode não conseguir receber pagamentos de cartões a partir de 28 de setembro de 2018.

O que significa estar na grade única da CIP?
A CIP é a Câmara Interbancária de Pagamentos, que, como falamos, faz parte do STR. Entre os serviços que eles prestam está o SILOC que é o Sistema de Liquidação Diferida das Transferências Interbancárias de Ordens de Crédito. Por meio dele são feitas as liquidações de débito e crédito de cartões. Muito resumidamente, para cada transação feita com um cartão, a CIP receberá informações do valor devido pelo emissor do cartão ao adquirente e pelo adquirente ao estabelecimento comercial (ou ao Subadquirente) – a partir destas informações ocorre a liquidação que, grosso modo, consiste em pagar a cada parte o valor devido.

A ideia é bem simples quando pensamos em uma única transação, mas o sistema é um pouco mais complexo porque todos os dias milhões de transações são liquidadas – isso significa cruzar as informações de todas elas, para que ao final cada um receba aquilo que lhe era devido. Convém lembrar também que um mesmo player pode ocupar mais de uma posição na cadeia. Um banco por exemplo, pode ser Instituição Domicílio (isto é, a instituição na qual são depositados os valores recebidos pelos estabelecimentos comerciais) e Emissor do Cartão.

Há duas formas de integrar com a CIP para participar da grade única. (i) participar como membro principal; (ii) participar como membro administrado;
Na primeira o Participante do Arranjo (seja ele um Adquirente ou Facilitador de Pagamentos) envia seus próprios arquivos com todas as informações das transações para a CIP. Na segunda o Participante do Arranjo é representado por outro participante que fica encarregado de enviar seus arquivos.

Em ambos os casos é preciso integrar os arranjos das bandeiras com as quais se pretende transacionar e ser capaz de gerar os arquivos que serão enviados. Como membro principal é necessário também ter a infraestrutura para se conectar com a CIP e enviar/receber esses arquivos.

Conclusão
Resumindo, há dois cenários possíveis para os Marketplaces: (i) aquele no qual o Marketplace só recebe a remuneração pelos seus serviços sem tocar no dinheiro do lojista – é o caso de quem trabalha com split de pagamentos e (ii) aquele no qual o Marketplace efetivamente recebe todo o dinheiro e depois repassa ao lojista. Apenas no segundo o Marketplace poderia figurar como facilitador de pagamento e, só nesse caso há obrigatoriedade de participar da CIP.

Isso significa que os marketplaces que já trabalham com uma ferramenta de split precisam apenas verificar se o intermediador de pagamentos dele está em conformidade com as regras do BACEN. Os demais devem escolher um parceiro que possa intermediar pagamentos com split ou começar a integrar com a CIP.

Referências:
Banco Central do Brasil. Circular nº 3.815 – Disponível em: https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?tipo=Circular&data=2016&numero=3815

Banco Central do Brasil. Circular nº 3.682 – Disponível em: https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?tipo=circ&ano=2013&numero=3682

Banco Central do Brasil. Circular nº 3.765. Disponível em:

https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?tipo=circ&ano=2013&numero=3765

Banco Central do Brasil. Sistema de Transferência de Reservas – STR. Disponível em:

https://www.bcb.gov.br/htms/NovaPaginaSPB/STR.asp

Banco Central do Brasil. Visão geral do sistema de pagamentos brasileiro. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/htms/novaPaginaSPB/VisaoGeralDoSPB.asp

Câmara Interbancária de Pagamentos. Cartões de Débito e Crédito –. Disponível em: https://www.cip-bancos.org.br/cip/produtos/cartoes–deb-e-cred.html

Ana Capelhuchnik é head de Jurídico do Moip Pagamentos. Com graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós-Latu Sensu em Direito Digital pela Fundação Getúlio Vargas

Fonte: Moip