(foto: Elza Fiuza/Agencia Brasil)
“Cada urna tem um dígito verificador e criptografia. Há, ainda, um conjunto de assinaturas digitais. Isso garante a verificação de autoria.”
Bernardo Lima* – Correio Braziliense
Cristiane Noberto – Correio Braziliense
Quando alguém tenta desacreditar o sistema eletrônico de votação, tal como vinha fazendo o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus apoiadores, o ex-secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal Superior Eleitoral Giuseppe Dutra Janino é enfático ao afirmar que, em 25 anos de história, jamais houve um caso de fraude com as urnas eletrônicas. E ele sabe o que está dizendo, pois participou do processo de desenvolvimento do aparelho que agilizou e tornou limpas as eleições brasileiras – historicamenente marcada por fraudes.
Janino, aliás, não tem dúvidas em apontar o maior adversário das urnas eletrônicas: os políticos. Isso porque o processo de apuração é implacável e quem não conseguiu se eleger, foi porque não teve votos suficientes – e não por conta de teorias conspiratórias que envolvem hackers que fraudam a vontade do eleitor, supostamente invadindo o sistema pela internet. Isso porque as urnas não ficam ligadas à web.
Matemático de formação, Janino conta esse processo no livro O Quinto Ninja que está lançando em que esmiúça os bastidores da implantação do voto eletrônico. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Quais são os maiores desafios para se manter a credibilidade das urnas eletrônicas?
À medida que o processo se transformou e inviabilizou as fraudes, trouxe uma onda de questionamentos para que a apuração voltasse ao processo anterior. Muitos “especialistas” passaram a criticar o processo com fundamentos rasos e ganharam coro com os candidatos que perdem a eleição – e não admitem que perderam. Até porque, o discurso mais fácil de quem perdeu é dizer que foi roubado ou injustiçado. Isso gera um discurso, mas é absolutamente infundado. A verdade é que, em 25 anos de história da urna eletrônica, não há sequer um caso de fraude. Todas as suspeitas apresentadas foram, são e serão investigadas por instituições competentes, como o Ministério Público e a Polícia Federal. Até hoje, não houve nenhuma fraude comprovada.
Qual o legado desses 25 anos da urna eletrônica?
Fizemos essa transformação para o digital porque vivíamos um cenário de eleições convencionais, há 30 anos, por cédulas de papel. Era um processo manual, com muita interferência humana, que levava à lentidão da apuração, erros e muitas fraudes impregnadas no processo. As urnas eram feitas de lona, protegidas por um cadeado e tinham uma pequena abertura por onde se passava um voto por vez. Porém muitas urnas chegavam da sessão “pesadinhas”. O ministro (Luiz) Fux contou, uma vez, que foi chamado para investigar uma situação. Quando abriu a urna, tinha um calhamaço de votos e ainda estavam presos por um elástico. A fraude era tão descarada que as pessoas não se davam nem ao trabalho de tirar o elástico do calhamaço.
Saímos do paradigma da eleição convencional para a digital e, com isso, tivemos vários atributos que só vêm com o digital: a verificação de integridade, autoria, imutabilidade – tudo isso só existe no padrão digital. A partir disso, se mudou efetivamente o paradigma democrático brasileiro. As eleições se tornaram céleres, íntegras e confiáveis para o cidadão. Mas foi muito difícil a aceitação dos candidatos, pois não havia mais como fraudar. A urna sempre teve muitos adversários.
É possível digitar o número de um candidato e aparecer foto de outro, ou anular e votar em branco quando se aperta determinados números? Espalharam isso nas últimas eleições.
É totalmente inviável. O que aconteceu, em 2018, era que muitas pessoas estavam apertando em candidatos a governador quando queriam votar para presidente. Assim, é claro que apareciam outra pessoa ou voto nulo. Daí, elas filmavam e diziam que os números estavam errados, que era erro da urna. Claro que nunca vai dar certo. Houve, também, vídeos editados para tentar desestabilizar (a urna). Porém, a urna não tem autonomia para uma modificação desse tipo. Há muitos dados de criptografia de cada um dos botões. Não existe a possibilidade de se digitar um número e anular, ser branco ou mesmo aparecer outro candidato.
Qual a chance de o dispositivo ser hackeado ou modificado?
Existe um processo de pontos de verificação inseridos na urna eletrônica. São mais de 25 sistemas dentro dela, mais ou menos 15 milhões de linhas de programação escritas para a realização de uma eleição. Todos esses programas são abertos seis meses antes da eleição, para que mais de 15 instituições possam analisar linha por linha de cada um desses programas, para ver se não vai ter nenhuma funcionalidade com defeito. Para isso acontecer, tudo tem que estar escrito no programa. Não existe mágica.
A partir desse ano, esses programas ficam abertos por mais de um ano para outros tipos de checagem – não existe maracutaia. No final desse processo, existe a lacração, uma espécie de blindagem daquele programa, que, por meio de algoritmos, se garante que cada programa não consiga ser adulterado. Cada urna tem um dígito verificador e criptografia. Há, ainda, um conjunto de assinaturas digitais. Isso garante a verificação de autoria.
Qual o perigo das fake news contra as urnas eletrônicas?
Trazem um grande desserviço para a estabilidade e a credibilidade de um processo que envolve paixões. Infelizmente, as fake news vieram para ficar e a saída, agora, é criar mecanismos para enfrentá-las. Nas últimas eleições, vimos robôs bombardeando fake news. São vários pontos que a gente vai desconstruindo para melhor combater as fake news.
O senhor pode contar um pouco da sua história com a justiça eleitoral e falar um pouco sobre o livro?
Esse livro registra uma trajetória muito importante da minha vida profissional. Passei no primeiro concurso do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em primeiro lugar, em 1995. Ao me apresentar à Corte, fui designado justamente para o grupo que estava desenvolvendo o projeto final de engenharia da urna eletrônica, que estrearia nas eleições municipais de 1996. Eram quatro engenheiros quando entrei. Por isso, o título do livro, O quinto ninja, porque fui o último a entrar na equipe.
Tive oportunidade de ocupar o cargo de secretário de Tecnologia da Informação, que é o líder da área de tecnologia da Justiça Eleitoral, e acompanhar essa trajetória de 25 anos da maior eleição digital do planeta. Então, a minha proposta ao encerrar a minha carreira este ano na Justiça Eleitoral foi registrar a história por meio do meu livro.
*Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi
Fonte: Correio Braziliense