Pelo menos nove Estados regulamentaram a prática em meio à pandemia
Por Joice Bacelo — De Brasília/Valor Econômico
Não é mais preciso ir ao cartório para as operações de compra e venda de imóveis. Em nove Estados, pelo menos, as escrituras estão sendo feitas de forma on-line. O registro digital foi permitido recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – para que o serviço não fosse paralisado em meio à pandemia – e o procedimento vem sendo regulamentado pelas corregedorias da Justiça.
Esse novo procedimento, além de desburocratizar o serviço, dá fôlego ao mercado imobiliário. A Loft, por exemplo, uma startup de compra e venda de imóveis, fechou duas operações de forma on-line neste mês. Uma delas em São Paulo. Na outra, em que adquiriu um imóvel no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, a vendedora estava em Paris.
“A escritura digital está superalinhada com a nossa proposta”, diz Bartolomeu Cavalcanti, gerente-geral da empresa. “Hoje, por meio da plataforma da Loft, é possível fazer todo o processo sem sair de casa, seja de compra ou de venda de um imóvel”, afirma.
A proprietária que estava em Paris submeteu o imóvel para a avaliação da empresa por meio do site. Foi feito um primeiro filtro, para verificar se estava dentro do padrão exigido (localização e liquidez no mercado). Depois, ela preencheu um formulário sobre o estado de conservação do imóvel, a empresa precificou e a negociação ocorreu de forma remota. O contrato de compra e venda também foi feito on-line e, por último, a escritura digital.
Foi a primeira transação nesse formato no Rio de Janeiro. Michelle Novaes, tabeliã substituta do 15º Ofício de Notas do Rio, onde a transação ocorreu, diz que, da forma tradicional, as partes teriam que dar entrada nas certidões de forma presencial, pagar o imposto de transmissão (ITBI) e depois de ter todos os documentos em mãos, o que levaria cerca de sete dias, agendariam um horário para comparecer novamente ao cartório e assinar a escritura.
No novo formato, afirma, tudo é feito de forma eletrônica. A etapa da escritura, com a Loft e a proprietária que estava em Paris, por exemplo, foi feita por videoconferência e a assinatura ocorreu por meio de certificado digital. “É tão seguro quanto fazer no cartório e é mais prático. Esperamos que esse novo procedimento fique de legado”, diz Michelle Novaes.
As transações on-line passaram a ser possíveis com a publicação do Provimento nº 95 do Conselho Nacional de Justiça, publicado no dia 1º de abril. A norma trata sobre o funcionamento dos cartórios durante o período de pandemia. Prevê que os serviços sejam prestados em todos os dias úteis e preferencialmente por regime de plantão à distância. Esse provimento estabelece que as corregedorias da Justiça dos Estados – que fiscalizam os cartórios de notas – regulamentem a forma de funcionamento do serviço. Isso explica o fato de as normas variarem de um Estado para o outro e o de nem todos estarem aptos ainda para realizar o procedimento.
Além de São Paulo e Rio de Janeiro, as corregedorias de Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso, Bahia, Tocantins e Rio Grande do Norte estão entre as que já regulamentaram os atos eletrônicos dos cartórios.
“Trata-se de um grande passo para a desburocratização imobiliária”, diz Giselle Oliveira de Barros, presidente do Colégio Notarial do Brasil, a entidade que reúne todos os cartórios de notas. Ainda não há a informação de quantas escrituras digitais já foram realizadas no país, mas, segundo Giselle, “a demanda está alta”.
O advogado Ricardo da Rocha Neto, sócio do escritório Abe Giovanini, chama a atenção que além da compra e da venda é possível também fazer doações de imóveis de forma on-line. As regras para o procedimento no Estado de São Paulo, destaca, estão no Provimento nº 12, editado no dia 24 de abril. “Há um impacto bastante positivo para o mercado imobiliário. Ao invés de se aguardar o fim da quarentena, as partes podem, na segurança das suas residências, dar andamento por videoconferência”, afirma o advogado.
Não dá para dizer que com o novo procedimento haverá aumento no número de negócios imobiliários, mas é fato que a escritura digital está viabilizando uma movimentação nesse setor, pondera o advogado Luís Rodrigo Almeida, sócio do escritório Dib, Almeida, Laguna e Manssur Sociedade de Advogados. “Antes da quarentena, havia vendas engatilhadas e doações para fazer. E isso tudo poderia ficar travado porque as pessoas não estão saindo das suas casas. São situações que dependem de documento público e têm obrigatoriamente de serem feitas por um tabelião de notas”, diz o advogado.
Almeida entende que o regramento de São Paulo é bastante detalhado e criterioso – mais do que ocorre em outros Estados. Mas, segundo ele, não dificulta e ao mesmo tempo dá segurança às partes. O tabelião que participa da videoconferência é obrigado, por exemplo, a ler todo o documento que será assinado pelas partes, além de ter que arquivar a gravação no cartório. “Trata-se de um procedimento muito simples. É como se fosse uma reunião, com a leitura de um documento, em que as partes vão concordar. Isso vai gerar um documento público, que tem fé pública, e dar-se-á o registro”, afirma.
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/05/25/cartorios-passam-a-registrar-imoveis-de-forma-eletronica.ghtml