Facilidade de acesso a reuniões em plataformas digitais incentiva maior participação
Por Raquel Brandão e Juliana Schincariol — De São Paulo e do Rio
A cada participante que chegava para a assembleia de acionistas da empresa de logística Log-In, um novo processo de reconhecimento facial tinha início. Apresentava-se o documento com foto, conferia-se o rosto e, feito o “cara, crachá”, a pessoa era encaminhada a uma sala de espera. Lá, outros documentos e informações, como procurações e base acionária, eram verificados. Por fim, a sala de reuniões.
Nada muito diferente que qualquer procedimento padrão para receber visitantes, mas faltou uma informação importante: a reunião, realizada em 22 de abril, não aconteceu na sede da empresa no Rio de Janeiro e de forma presencial, mas, sim, em uma plataforma virtual.
A ideia era “emular uma assembleia presencial”, segundo o diretor financeiro, Gisomar Marinho, e a gerente de relações com investidores, Sandra Calcado. Por isso, a companhia resolveu reproduzir cada passo, desde a chegada do participante à portaria do prédio até a votação dos itens da proposta da administração.
A Log-In foi a primeira companhia a realizar uma assembleia geral ordinária inteiramente virtual no país. O método foi regulamentado pela instrução 622 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), editada em 17 de abril. Até agora, 19 assembleias foram convocadas na modalidade exclusivamente digital e outras 20 de forma parcial. Há ainda companhias, como a CSN, que decidiram transmitir as assembleias, apesar de presenciais.
mas tem sido adotado por causa da covid-19. É o caso da faricante americana de aviões Boeing, cuja assembleia virtual foi na segunda-feira, e a mineradora britânica Rio Tinto, que fará sua reunião on-line em 7 de maio. Organizar uma assembleia exclusivamente virtual exige repensar processos. A LogIn, por exemplo, começou a organizar sua reunião na segunda metade de março, quando colocou os funcionários administrativos para trabalhar remotamente.
Com a mobilidade limitada, a opção era fazer a assembleia de forma híbrida, o que já era previsto na instrução 561 da CVM, de 2015. Para isso, as equipes de relações com investidores e de tecnologia da informação trabalharam testando modelos. A publicação da instrução 622 estendeu o trabalho para o fim de semana e levou à adaptação da reunião para o formato exclusivamente digital.
A decisão da Log-In de mudar com tão pouco tempo o formato reflete uma demanda de algumas companhias de fazer a reunião remotamente. Marina Gelman, diretora de relações com investidores da Ânima Educação, que fez a sua assembleia ontem, argumenta que a “principal trava era a autorização da CVM” e que o mercado já passa por uma mudança de mentalidade. “Embora haja preocupações com a questão de sistemas, não é tão desafiador. Nós migramos 8 mil funcionários e 140 mil alunos para o ambiente virtual em quatro dias.”
Os procedimentos básicos incluem o roteiro para conduzir a reunião e o acompanhamento do funcionamento da plataforma e do acesso dos acionistas, diz a advogada Marcela Ejinisman, sócia do escritório TozziniFreire, que assessorou a Sinqia em sua reunião de acionistas feita exclusivamente on-line. É preciso ter tempo de manifestação sobre cada matéria a ser deliberada na assembleia, afirma a advogada Bárbara Neri Marques, do mesmo escritório. “É muito importante a realização de testes e assembleia deve ser gravada. A plataforma tecnológica escolhida precisa permitir o compartilhamento de telas e documentos.”
No Brasil, as plataformas mais utilizadas são Zoom, Cisco Webex e Microsoft Teams, plataformas, o participante só tem acesso com senha individual e há a possibilidade de criação de salas como etapas de verificação. Entre as vantagens do formato está a redução de custos fixos, uma vez que não é preciso deslocar auditores e advogados para a sede da empresa e tampouco é necessária a locação de salas em casos de reuniões de maior quórum. A flexibilização das regras para o envio de documentos dos acionistas às companhias também foi um fator positivo.
“Ganhamos agilidade e demos mais acessibilidade a acionistas de outros Estados. Não podíamos adiar e ficar distante do acionista em um momento de tantas incertezas”, diz Sandra, da Log-In. A facilidade de acesso por meio de plataformas digitais também pode ser uma forma de aumentar a participação nas assembleias. No caso da Ânima, cinco acionistas individuais que nunca tinham participado anteriormente enviaram documentos e solicitaram suas senhas de acesso. A empresa tem cerca de 6,6 mil acionistas pessoa física. Na assembleia de 2019, a Log-In reuniu oito participantes – agora foram 57.
Para Eduardo Lucano, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), a virtualização das assembleias é uma alternativa que veio para ficar e que foi bem regulamentada pela CVM, mas que não se encaixa a todas as companhias, devido aos diferentes perfis acionários. Lucano cita o formato como viável por ser eficaz e facilitar o acesso, mas argumenta que existe certo romantismo em torno do engajamento dos acionistas, que devem ter participação estimulada, mas não podem ser obrigados a isso. “Alguns acionistas são os que ‘votam com os pés’, expressão original do inglês para se referir a aquele que não quer se envolver com as decisões de alta gestão das empresas”, diz.
Bruno Salem Brasil, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri) também acredita que esse formato ficará mais frequente, mas que precisará passar por um processo de maturação. “Hoje, quanto mais tradicional o formato, é melhor para todo mundo, porque ainda tem questões de validação e exterior, a consultoria de voto Institutional Shareholder Services (ISS) desaconselha assembleias exclusivamente digitais.
Ana Paula Reis, vice-presidente da Comissão de Mercado de Capitais da Abrasca e advogada da área societária do BMA Advogados, diz que a maioria das empresas ainda espera e acompanha quem optou pelo novo modelo. “É uma tendência, mas ainda não há adesão efetiva. O que ficou mais evidente foi a flexibilização e o estímulo à adoção do boletim de voto à distância, que passou por cinco anos de maturação”. Segundo o BMA, pelo menos 120 companhias cancelaram ou adiaram suas assembleias, devido à prorrogação do prazo dada pela Medida Provisória 931.
Fonte: Valor Econômico