Tecnologia ‘blockchain’ promete revolucionar armazenagem de dados

Uma nova tecnologia chamada blockchain promete revolucionar a armazenagem de dados digitais, com mais segurança e transparência.

RAPHAEL HERNANDES
DE SÃO PAULO

Esse sistema rompe o padrão usado atualmente por bancos de dados, inclusive os usados por instituições financeiras, para armazenar informações de seus clientes.

Hoje, os servidores são centralizados, mantidos e controlados pelo seu dono. Se alguém transfere dinheiro pela internet, o banco A precisa verificar em seus registros se há fundos disponíveis para informar o banco B. Se há erro no processo, o segundo acaba prejudicado.

Com o blockchain, em vez de concentrar tudo num lugar só, os bancos de dados são espalhados por uma rede com várias máquinas conectadas, em diversos locais, cada uma com uma cópia do conteúdo. Tudo gerenciado de forma compartilhada.

Os dados são armazenados em blocos de informação criptografada, que se conectam como uma corrente –daí o nome “cadeia de blocos”, em inglês. Com tudo interligado, é impossível excluir uma informação depois que ela foi inserida no sistema.

“A questão é que usar um banco de dados convencional facilita fraude. A partir do momento em que a estrutura está distribuída, [fraudar o conteúdo] é praticamente impossível”, diz Paschoal Baptista, sócio da consultoria Deloitte.

Isso porque, para que alguma alteração aconteça, o blockchain tem que entrar em consenso. As várias máquinas que guardam a informação precisam concordar que aquele processo é válido.

Se um computador for hackeado, os outros conectados à rede perceberão a fraude e poderão corrigir o problema.

No caso da transação bancária, em vez de só o banco A checar os fundos, toda a rede o faria –e o banco B teria acesso a essa rede.

A segurança da tecnologia, no entanto, não é perfeita. “Não há nada 100% seguro”, diz Rafael Sarres de Almeida, professor do Universitário de Brasília e analista de TI do BC.

Almeida diz que é importante manter os protocolos de funcionamento do blockchain atualizados. “Hoje está seguro. Há como manter assim agindo ativamente no caso de qualquer falha, mas, se não tomar nenhuma atitude alterando as regras de criptografia, no futuro você pode ter um problema grave.”

NA PRÁTICA

O blockchain já é usado em alguns processos. Ele surgiu em 2008 como a infraestrutura responsável pela moeda virtual bitcoin. Seu uso ampliado, porém, é algo novo e está em fase de estudos, por isso ainda não há muitas aplicações concretas disponíveis.

Um dos usos práticos são os contratos virtuais inteligentes, que fazem com que ações aconteçam automaticamente segundo parâmetros determinados entre as partes. Por exemplo, fazer o pagamento de uma multa caso um termo não seja cumprido.

Outro caso é o da empresa britânica Everledger, que usa a tecnologia para rastrear diamantes desde a produção até o consumidor final para garantir são verdadeiros.

COMO A INTERNET EM 94

“O blockchain é muito similar à internet em 1994. Muitas pessoas falam sobre seu potencial, mas poucos sabem aproveitá-lo”, resume Brian Behlendorf, diretor-executivo do Hyperledger, projeto colaborativo mantido pela Linux Foundation –que tem apoio de gigantes como Intel e IBM–, que visa o desenvolvimento desse sistema. “A sensação é de uma revolução.”

Segundo especialistas, as implementações vão desde sistemas para evitar fraudes em bancos a postes inteligentes que alertam a polícia ao ouvir barulhos de tiros e mecanismos para ajudar a controlar a qualidade da carne.

Tal Eisner, diretor de produtos da empresa israelense de cibersegurança ThetaRay, diz que o mercado ainda não compreendeu a tecnologia. “Essas conexões de certa forma invisíveis são ainda um problema, pois atraem hackers e ameaças”, afirma.

Relatório da consultoria Greenwich Associates aponta que um dos grandes desafios será estabelecer o mecanismo de consenso do blockchain que chancela e registra as operações em cada rede.

Para Jonatas Leandro, da IBM Brasil, o sistema passará por três fases até se consolidar: pesquisa, aprendizado e experimentação; exploração pontual, que já começou; e uniformização.

Bancos disputam domínio de tecnologia para proteção de dados

Empresas brasileiras do setor financeiro disputam a corrida mundial por quem domina primeiro o blockchain.

A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) criou uma comissão e um grupo de trabalho especificamente para tratar do assunto.

“A gente entende que o blockchain está no que foi o internet banking na segunda metade dos anos 1990″, diz Richard Flávio da Silva, superintendente-executivo de arquitetura de TI do Santander. “Achamos que será uma solução adotada em escala dentro de três a seis anos.”

Globalmente, o Santander pesquisa a ferramenta desde 2015. No Reino Unido, possui um aplicativo que usa o sistema para transferências bancária internacionais –a versão-piloto deve chegar ao Brasil nos próximos meses.

Em 2016, a Visa apresentou o B2B Conect, projeto que pretende usar blockchain como forma segura de pagamentos entre empresas –e que deve ser lançado ainda em 2017, mas sem data para chegar ao Brasil.

Enquanto faz pesquisas na área, a MasterCard oferece a parceiros acesso a uma rede experimental de blockchain focada em transações e em contratos inteligentes.

Outro que vê a tecnologia com bons olhos é o Original. “Estamos pegando cada ferramenta da operação bancária e testando se seria viável no blockchain”, afirma Guga Stocco, chefe de inovação e estratégia do banco.

Marcelo Yared, chefe de tecnologia do Banco Central, ressalta a questão da confiança nesses novos protocolos. Ele estima que as instituições financeiras adotem o sistema em até cinco anos.

RG ROUBADO

O Banco do Brasil desenvolve um sistema para armazenar casos de fraudes. Seriam registrados –e compartilhados com outros bancos e cartórios–, por exemplo, RGs roubados que estão sendo usado por fraudadores.

“Com um sistema centralizado [que é o usado hoje] eu poderia fazer o mesmo serviço, mas quem usasse teria que confiar no BB”, diz Alexandre Conceição, gerente-geral de tecnologia da instituição.

Com o blockchain, todos os participantes da rede teriam uma espécie de guarda compartilhada da base de dados. “O nível de confiança é maior”, diz Conceição.

Para Edilson Osorio Junior, presiente-executivo da OriginalMy.com, que usa blockchain para registrar a autenticidade de documentos digitais e contratos, a tecnologia faz com que não seja necessária a confiança em pessoas. “Ela vem diretamente no algoritmo.”

Bovespa, Bradesco e Itaú fazem parte do R3, consórcio internacional que trabalha na pesquisa e desenvolvimento de soluções para uma rede do próprio grupo. Cerca de 70 instituições financeiras estão no projeto –entre elas Barclays, Deutsche Bank e JPMorgan.

“É uma relação de suporte. Tem uma relação próxima de consultoria e dá para a gente entender os cases lá de fora e tentar ver o que é útil”, diz Antranik Haroutiounian, diretor de Pesquisa e Inovação do Bradesco.

Um dos frutos do R3 é uma plataforma batizada de Corda, que se inspira no blockchain para facilitar transações entre seus membros. No caso dela, a ideia é um modelo que a torne mais eficiente no mercado financeiro.

FOLHA DE S. PAULO

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/04/1875723-tecnologia-blockchain-promete-revolucionar-armazenagem-de-dados.shtml