Meta é digitalizar todos os processos em dois anos

Por Paulo Britto | Para o Valor, de São Paulo

Em uma de suas primeiras entrevistas após a posse, o novo prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB) atacou o excesso de burocracia da administração municipal com um desafio: ao fim do segundo ano de mandato, ter todos os processos da prefeitura digitalizados, sem uso de papel e com tráfego inteiramente eletrônico. A tarefa é um dos principais projetos de Daniel Annenberg, titular da recém­criada Secretaria de Inovação e Tecnologia, administrador que já ocupou o cargo de superintendente do programa PoupaTempo. O desafio não é pequeno: na prefeitura são abertos cerca de 300 mil processos por ano, dos quais perto de um terço são digitais desde o início. “Nosso objetivo é que até o final do ano que vem tenhamos 100% dos processos digitais”, diz o secretário. O prazo indicado por Doria é viável: “A prefeitura vem trabalhando nessa direção desde 2015, implantando um sistema cedido pelo Tribunal Regional Federal da 4 a Região”. O principal objetivo do projeto é reduzir o tempo de tramitação dos processos, explica Annenberg, como acontece na Secretaria da Fazenda do Município, onde 100% deles já são eletrônicos: “Na parte orçamentária o tempo de tramitação foi reduzido em até 76% com o sistema eletrônico. Na tributária, houve até 90% de redução de tempo, ou seja, um processo não fica mais parado sobre uma mesa ou dentro de uma gaveta. Hoje, temos 109 tipos de processos que acontecem em meio eletrônico”. E muitos outros estão sendo digitalizados, diz o secretário. Só continuarão em papel aqueles que assim começaram. Ao menos neste momento, ele não prevê contratações ou licitações e estima que será possível atender a solicitação de Doria com o trabalho de sua equipe de TI e das outras secretarias. Mas para tornar digital não só a administração como também a interação com os cidadãos o tempo de dois anos será curto, avalia Mauricio Cataneo, diretor­presidente da Unisys Brasil. Sua opinião se baseia em experiências similares da empresa em vários países, entre as quais a de prestar serviços para o governo do estado da Pennsylvania, nos EUA, projeto iniciado em 2013, com duração prevista de dez anos e que já resultou em economias da ordem de US$ 300 milhões: “O planejamento indica que haverá mais US$ 300 milhões de economias nos próximos cinco anos e o retorno acontece em no máximo quatro”, diz. Tanto nesse caso quanto no de São Paulo a abordagem inicial para o trabalho é a mesma: “A cidade precisa de um diagnóstico para que se possa decidir de fato quais são os grandes problemas e então atacá­los”. Ivan Preti, gestor de vendas estratégicas da Atos no Brasil, lembra que o setor público é mais lento do que outros, e que o primeiro desafio para a prefeitura será conseguir uma mudança de organização: “Assim como será muito importante criar métricas que indiquem o andamento do projeto. Do nosso ponto de vista, ele deve estar baseado em satisfação do usuário, além de proporcionar transparência em relação a gastos e prazos”. Com a experiências de projetos como dos jogos olímpicos e de serviços públicos na Holanda e na Escócia, ele admite que o prazo de dois anos pode parecer pequeno mas será viável se o planejamento for bem feito e os recursos forem suficientes. Gustavo Rabelo, vice­presidente da Oracle Brasil para o setor público, não coloca o prazo como problema. “Qualquer prazo neste momento é estimativa. O que todos temos de fazer é dar apoio para o projeto ser executado: definidos a quantidade de recursos e as prioridades, o prazo aparecerá.” Entre as premissas do projeto, Rabelo inclui um fluxo de planejamento de baixo para cima e uma estrutura apoiada em prioridades, metodologia e acompanhamento. O Estado do Rio de Janeiro, segundo ele, protegeu sua transformação digital por meio de uma lei, publicada em maio de 2013, que criou o processo administrativo digital e uma superintendência de gestão do processo digital. “Desde então, o Estado vem investindo para que gradativamente os órgãos passem a adotar essa metodologia ­ não serão admitidas outras por força de lei”, observa. A Oracle participa do projeto desde o início. “Estamos longe do final, porque estão mapeados mais de 2 mil tipos de processos administrativos, mas os resultados são muito bons. No Instituto de Previdência do Rio de Janeiro, por exemplo, a concessão de um benefício levava meses, com o uso de papel, agora é feita em no máximo quatro dias.” Heloísa Tricate, especialista em setor público da SAP, acha que órgãos como esses precisam reimaginar seu modelo de ‘negócios': “Todas as organizações governamentais têm de se reinventar. É preciso criar maneiras inovadoras de prestar o serviço. Um bom exemplo veio com o PoupaTempo, mas ainda temos diferentes filas e quase nada integrado. Aquilo que se falava no passado, de que teríamos analfabetos digitais, foi superado, porque todos têm um smartphone. Já não precisamos ir ao banco. Também poderemos deixar de ir às agências governamentais como já acontece no Canadá, na Austrália ou em Buenos Aires.” Em sua experiência prestando serviços para os governos de Minas Gerais e da Bahia, ela constatou que metade dos processos elaborados em papel são da área de recursos humanos. “Minas tem perto de 500 mil funcionários ativos e inativos e a Bahia perto de 260 mil”, diz. O governo de Minas, conta, investiu R$ 90 milhões em cinco anos, mas suas economias poderão chegar a R$ 300 milhões Luciana Batista, sócia da Bain & Company, acha que a digitalização de um órgão como a prefeitura paulistana é viável, mas que “tão importante quanto definir o que digitalizar é entender oportunidades e ameaças que esta mudança representa, seja para os clientes ­ os cidadãos ­ seja para os funcionários da prefeitura”. Nesse cenário, segundo ela, algumas particularidades são fundamentais: “Como em uma empresa, o papel da liderança é essencial, porque esse tipo de projeto exige ‘empoderamento’ de todos os colaboradores, para que juntos consigam criar e implementar soluções por meio de organização e mudanças culturais”, diz.

Valor Econômico