Integração ainda desafia prontuários eletrônicos

Por Ediane Tiago | Para o Valor, de São Paulo

Quanto melhor a informação sobre o paciente, mais humanizado e eficiente será o tratamento à saúde. A afirmação é de Thankam Paul Thyvalikakath, diretora do núcleo de informática aplicada à odontologia da Escola de Odontologia da Universidade de Indiana (EUA). Segundo ela, a adoção de prontuários eletrônicos é necessária para ampliar o acesso à saúde, prevenir doenças e melhorar o sistema como um todo. “A ênfase é na informação, não na tecnologia”, comenta a especialista, que vem à capital paulista no próximo mês para participar do 6º Congresso de Inovação em Materiais e Equipamentos para a Saúde (Cimes).

A possibilidade de reunir informações do paciente que estão distribuídas em sistemas instalados em consultórios médicos, odontológicos, hospitais e laboratórios levou a dentista para a área de tecnologia da informação. Ela tem liderado outros pesquisadores no desenvolvimento de tecnologias capazes de capturar dados, integrando diferentes repositórios. O objetivo é obter um histórico de saúde único e atualizado, o que os médicos chamam de visão 360 graus. “O paciente está no centro da estratégia de digitalização”, diz. Segundo Thankam, a conectividade é o principal desafio para o avanço do prontuário eletrônico. “A informação está em toda parte, além de registros de atendimento médico, temos de pensar em incluir dados que chegam por meio de dispositivos como relógios inteligentes e sensores conectados ao paciente”, comenta.

Entre as ambições de um prontuário unificado está de melhorar a produtividade dos profissionais de saúde, ampliando o tempo destinado ao atendimento. Outro avanço, este para o sistema de saúde é a possibilidade de utilizar informações consolidadas, a partir de diferentes prontuários, para tratar populações. Segundo Thankam, análises complexas – com uso de tecnologias como big data – vão permitir cruzar dados sobre as doenças com os aspectos ambientais e sociais. Entender, por exemplo, as patologias que atingem determinados grupos sociais, étnicos ou etários. As análises vão considerar fatores como urbanização, estilo de vida e hábitos alimentares, entre outros. “Passaremos a prevenir as doenças e a promover a saúde. Hoje agimos de forma reativa, tratando quem chega doente à unidade de atendimento”, conta.

Mas o uso das informações da saúde ainda esbarra, em todo o mundo, na falta de regras para o compartilhamento das informações. “Não há clareza sobre este tema. A sociedade precisa se envolver na discussão sobre a definição dos dados que serão públicos e quais podem ser utilizados pelo setor da saúde”, explica Mário Rachid, diretor executivo de soluções digitais da Embratel. Segundo ele, a confidencialidade dos dados do paciente é um dos pontos mais sensíveis dos prontuários eletrônicos. “Os bancos de dados e os aplicativos devem ter um nível de segurança capaz de evitar vazamento ou uso indevido das informações”, diz. Não é à toa que médicos e dentistas resistem na hora de compartilhar a informação dos pacientes. “Temos atuado para estimular médicos e dentistas a participar da criação de repositório de dados. A tarefa exige compreensão e também disposição para explicar a estrutura dos sistemas”, comenta Thankam.

Enquanto nos Estados Unidos, o compartilhamento de informações afeta a conectividade, no Brasil, é a geração delas que preocupa. “A adoção de sistemas de gestão, em clínicas e hospitais, ainda é baixa no país. Este é o primeiro passo para a digitalização e captura de dados”, explica Donizette Louro, líder do grupo de trabalho da indústria 4.0 da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo).

Além de ampliar a eficiência nos processos internos, Louro destaca que as unidades de saúde e consultórios precisam preparar a infraestrutura tecnológica para receber informações de diversos dispositivos. “A internet das coisas está aí, permitindo maior conectividade sem interferência humana. Mas não há como interligar máquinas sem sistemas instalados”, destaca. Para ele, é preciso encarar esse fato e avançar na digitalização no sistema de saúde. A meta vale para instituições públicas e privadas.

O Brasil pode, no entanto, se beneficiar da implantação dos prontuários eletrônicos. “Com melhores informações, é possível tomar decisões mais acertadas em tratamentos e também na distribuição das verbas para a saúde”, diz Thankam. Ela ressalta que, em países com restrições financeiras, a análise de dados fará a diferença na hora de definir por um investimento capaz de beneficiar o maior número de pessoas. “As decisões serão amparadas por informações, não por percepções ou opiniões”, conclui.

Beneficência Portuguesa investe R$ 30 milhões para instalar tecnologia

Na área da saúde, a adoção dos prontuários eletrônicos – fichas utilizadas para guardar o histórico dos pacientes – deve ser integrada ao plano estratégico. “Não é mais possível atender com qualidade, sem investir em digitalização”, garante Denise Soares dos Santos, CEO da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo. A instituição aportou R$ 30 milhões para instalar a tecnologia. Segundo Denise, a BP tomou a decisão de implementar o prontuário eletrônico em 2013. Entre as metas práticas estavam a de melhorar processos, ampliar a segurança do paciente e aumentar a produtividade da equipe médica. Mas o projeto ganhou contornos mais complexos quando a direção do hospital colocou-o no centro de suas ações para a valorização da vida. “Para engajar a equipe, é fundamental dar um sentido ao uso da tecnologia”, explica Denise.

Lilian Quintal Hoffmann, superintendente de Tecnologia da Informação da BP, destaca o acesso aos dados do paciente junto ao leito. “Instalamos notebooks em carrinhos, permitindo a anotação de qualquer intervenção médica ou da enfermagem”, diz. Todas as salas de consulta, a enfermaria e os laboratórios também possuem equipamentos para uso do prontuário eletrônico. As executivas citam que ao consultar o paciente – no leito ou na sala de consulta – o médico verifica, na tela, os exames, as medicações, os procedimentos e as intervenções realizadas. Pode resgatar o histórico de saúde e decidir sobre o melhor tratamento. “Com todas as informações, o profissional é mais assertivo no tratamento”, lembra Denise.

Segundo Lilian, o sistema é capaz de alertar sobre medicações que não são indicadas para o paciente. “Se o doente é alérgico a algum tipo de substância, o software informa ao profissional de saúde, barrando a prescrição”, exemplifica. Este recurso amplia a segurança do paciente e ajuda o médico, que muitas vezes desconhece a alergia.

Mas o maior ganho está mesmo no tempo que sobra para atenção aos pacientes e às famílias. “Ao aumentar a produtividade, humanizamos o atendimento”, diz Denise. Como exemplo, a executiva cita os relatórios preenchidos após a cirurgia. Quando o procedimento era manual, o médico tinha de listar os materiais utilizados, os procedimentos realizados e outros detalhes em fichas de papel. O processo durava cerca de 30 minutos. Com o sistema, a lista prévia está disponível no computador, o profissional verifica e modifica o que for necessário, reduzindo a tarefa a poucos minutos. “O tempo é gasto com a família, em uma conversa olho no olho para tranquilizá-la e explicar os próximos passos do tratamento.”

Para as executivas, o processo de digitalização não tem limites e logo os hospitais estarão prontos para captar dados de sensores, dispositivos e máquinas automaticamente, gerando alertas imediatos sobre a saúde do paciente. Já a formação de um banco de dados único para o sistema de saúde – o que permitiria a medicina colaborativa – demanda um trabalho de padronização para registro dos dados. “Se todos falarem a mesma língua será possível criar repositórios para estudar doenças e sermos mais efetivos em ações de prevenção e promoção da saúde”, afirma Denise.

Big data é ferramenta usada para diagnóstico e tratamento de câncer

Por Françoise Terzian | Para o Valor, de São Paulo

A Roche, farmacêutica que desenvolve medicamentos para tratar o câncer, concluiu em 2015 a aquisição do controle da Foundation Medicine, empresa americana especializada em análise genômica dos pacientes oncológicos. Com pipeline com mais de 110 moléculas complexas em desenvolvimento para necessidades médicas ainda não atendidas em áreas como a oncologia, a Roche tem seu foco hoje voltado à área de câncer-imunoterapia. Ou seja, medicamentos que convocam o sistema imunológico a combater da doença. Ao combinar a abordagem da Foundation Medicine com seu histórico em oncologia, a empresa almeja elevar a medicina personalizada (diagnóstico, tratamento e, agora, a informação molecular e análise genômica) a um novo patamar na luta contra o câncer.

O campo da informação molecular e análise genômica vem desempenhando um papel fundamental para as soluções de diagnóstico e tratamento do câncer. “Há a necessidade de uma avaliação genômica abrangente e de alta qualidade para melhorar a prática clínica no mundo. A Foundation Medicine provou identificar até três vezes mais alterações genômicas do que os métodos tradicionais, possibilitando que cada vez mais pacientes tenham opções de tratamento”, afirma Matheus Vieira, head da Roche Molecular Information para a América Latina. Ele explica que pelo fato de o câncer não ser uma doença única, foram identificados inúmeros subtipos, marcadores de tumor e mecanismos de ação da doença. As análises da Foundation Medicine, explica, são um importante passo para entender a fundo como a doença se manifesta em cada paciente e encontrar evidências e comportamentos que possam direcionar novas pesquisas.

Desde o segundo semestre de 2016, a Roche passou a comercializar no Brasil as soluções de informação molecular da Foundation Medicine, que contam com dois produtos – FoundationOne e FoundationOne Heme. Eles oferecem uma linha de perfis genômicos de todos os tipos de câncer, com resultados de relevância prática e validados mundialmente. Um mapeamento abrangente do câncer é realizado a partir de uma amostra de tecido tumoral obtido por biópsia, com a finalidade de realizar uma pesquisa de todos os genes que podem estar alterados, causando o câncer.

Além da pesquisa, por meio de análise de big data, a Foundation Medicine consolida diversos bancos de dados globais na busca de evidências e possíveis opções de tratamento. Na sequência, uma equipe de geneticistas e patologistas analisa cada relatório e garante que a informação esteja toda lá. O resultado é um relatório personalizado para cada paciente, no qual o médico tem todas as possíveis opções de tratamento. “É como se para cada tipo de tumor o médico recebesse um livro detalhado com todas as evidências que suportam diferentes opções de tratamento.”

Na outra ponta, o Grupo São Francisco também investe em análise de dados e tecnologias específicas para atender pacientes oncológicos e aqueles que nem identificaram a doença ainda. “Nosso projeto visa criar um repositório centralizado de informações de saúde dos pacientes, com dados de diversos sistemas e correlacioná-los utilizando técnicas de data mining e machine learning”, explica o Dr. Carlos Braga, gerente médico de saúde preventiva do grupo.

Fonte: Valor Econômico