Digitalização transforma as áreas de atendimento e relacionamento

Por Martha Funke | Para o Valor, de São Paulo

A substituição do atendimento humano por robôs e plataformas digitais em funções operacionais simples e repetitivas e a inserção de tecnologias de inteligência artificial ao longo do processo de relacionamento com o cliente estão transformando o perfil do trabalho no setor. Tradicional empregador de grandes contingentes de mão de obra, esse mercado já registra redução dos quadros e de vagas para primeiro emprego, com exigência de maior qualificação. A consultoria E-Consulting projeta para este ano cerca de 1,3 milhão de empregados, contra 1,5 milhão em 2018.

As atividades mais impactadas são serviço de atendimento ao consumidor (SAC), com retração de 3,4%, e televendas, com queda de 5,5%. A expansão fica por conta de serviços de recuperação de crédito e cobrança – alta de 8,3%. Já as linhas de autoatendimento e autosserviço via plataformas digitais como mobile, mídias sociais, aplicativos, bots, unidades de resposta audível (URA) inteligentes e tecnologias analíticas devem crescer 26%.

“Transações, relacionamento e atendimento estão se transformando em funções digitalizadas, com redução do volume de pessoas com baixa qualificação e crescimento de gente especializada em analytics, consumer experience e big data”, diz Daniel Domeneghetti, da E-Consulting. Parte do atendimento humano é preservado, seja por exigência de setores regulados ou mais tradicionais, cujos clientes ainda preferem o telefone, seja pela necessidade de interação mais qualificada. Mas habilidades como boa escrita e traquejo para lidar com diferentes sistemas são mais relevantes e os contratos passam a ser disputados com agências digitais, fintechs, consultorias e empresas de serviços de tecnologia.

Ao mesmo tempo, a tecnologia e a automação beneficiam também os operadores, com sistemas mais inteligentes, e abrem campo para as prestadoras de serviços apoiarem contratantes em atividades como transformação digital e automação de processos. “A atuação em atividades de retaguarda se torna mais relevante”, aponta Mayara Munhoz, consultora sênior da Frost & Sullivan. A Almaviva registra redução de operações mais simples e de agentes humanos em prol dos virtuais e aumento de ações sofisticadas. De origem italiana, a empresa tem uma irmã, a Almawave, especializada em inteligência artificial, que oferece de agentes virtuais a sistemas de diagnóstico preventivo.

A expansão da oferta de backoffice é uma das estratégias para enfrentar a queda na receita com posições de atendimento. Em 2017, o faturamento repetiu a performance do ano anterior, perto de R$ 1 bilhão, mas o número de funcionários caiu de 32 mil para 30 mil, graças à automação de tarefas básicas. “O papel do segmento exige perfil mais elaborado e mais tempo de capacitação”, avalia o vice-presidente Alberto Ferreira. A catarinense Flex, com 15 unidades em seis cidades e 13 mil funcionários, também registrou redução de 500 vagas nos últimos 12 meses. Além de buscar pessoas mais capacitadas e investir em funções automatizadas, a empresa aposta em educação e empreendedorismo.

Hoje perto de mil profissionais fazem cursos superiores de dois anos em faculdades semi-presenciais com patrocínio integral. A inauguração de uma unidade dentro do campus da Universidade Adventista de São Paulo (Unasp), em Engenheiro Coelho (SP), garante uma equipe 100% universitária para operações mais complexas, com 150 pessoas. Um programa de formação de empreendedores internos estimula a construção de carreiras paralelas, inclusive com espaço pra divulgação de habilidades e serviços na intranet. “Pessoas com habilidade em programação podem participar de cursos e workshops na empresa. Outras podem desenvolver habilidades de gestão para negócio próprio”, diz o presidente Topázio Silveira Neto.

O grupo Services, por sua vez, viu o número de funcionários crescer no ano passado 25%. Atualmente são 4 mil, mesmo com a ampliação das atividades digitais, que hoje respondem por 30% do faturamento. Especializada em cobrança e retenção, a empresa foi favorecida pelo aumento da inadimplência provocado pela crise econômica e pela criação de uma plataforma e de uma central totalmente digital, que permitem ao devedor atividades como programar plano de parcelamento, débito em conta, readequação de plano e parcelamento da dívida sem nenhum contato humano. Cada pacote de automação vendido embute o apoio de consultores com novo perfil para a solução de questões mais complexas. “Os salários são cerca de 30% mais altos do que os atendentes tradicionais”, diz o CEO Jansen Alencar.

Valor Econômico