Digitalização de documentos de fundos vira polêmica nos EUA

Como muitos americanos, Ken Winterhalter quer que o setor financeiro seja punido por seus descuidos do passado. A punição escolhida por ele, no entanto, não é cadeia para altos executivos nem multas maiores. Em vez disso, o presidente da fabricante de papel Twin Rivers Paper Co. foca em algo a seu alcance: frear um plano da SEC (Securities and Exchange Comission, que regula o mercado de capitais nos Estados Unidos) que incentivaria mais investidores a acessar os relatórios sobre os fundos mútuos pela internet. “Após o pesadelo que foi o colapso de 2007, quando milhões de cotistas assistiram à evaporação de seu patrimônio, Wall Street precisa continuar assumindo responsabilidades por meio de comunicados em papel e informações impressas”, escreveu Winterhalter, em carta enviada para a SEC após a apresentação da proposta. A empresa de Winterhalter, sediada em Madawaska, no Estado do Maine, fabrica material usado nos saquinhos de batata frita do McDonald’s, em bulas de remédio e, claro, o papel finíssimo no qual os fundos mútuos imprimem documentos. Geralmente, a companhia não se envolve em discussões como essa, sobre uma regulamentação financeira. Porém, sua campanha acabou por ganhar apoio crescente, de parlamentares e aliados insólitos como os sindicatos de funcionários dos correios, a principal associação de aposentados dos EUA e grupos de defesa do consumidor. A campanha colocou os fundos mútuos na defesa, obrigando­os a levar o pleito a comissários da SEC e a comprar espaço publicitário para informar o público sobre os benefícios ambientais do plano. Os custos de impressão e postagem são bancados pelos investidores. A digitalização desses documentos proporcionaria economia anual de aproximadamente US$ 200 milhões e preservaria milhões de árvores, segundo valiam os gestores. Poucos esperavam qualquer polêmica em torno do trabalho da SEC para popularizar a entrega eletrônica de documentos, que faz parte de uma proposta mais ampla para modernizar a regulamentação dos fundos. A briga é bizarra e vem machucando os dois lados, que trocam acusações sobre objetivos subjacentes escusos e uso de estatísticas de forma criativa, além de discutirem se idosos são capazes de digitar no computador um endereço longo de website. A presidente da autoridade reguladora, Mary Jo White, ainda não definiu qual será a data da votação da regra final. A SEC implementou a maioria das exigências de prestação de contas muito antes de as pessoas começarem a usar smartphones ou mesmo e­mail. Embora investidores e empresas geralmente concordem que a agência reguladora do mercado precisa migrar mais rapidamente para o ambiente digital, a disputa em torno da documentação referente aos fundos mútuos alerta sobre as dificuldades desse processo. “Por que estamos debatendo se deveríamos enviar relatórios em papel?”, questionou Tom Quaadman, diretor sênior do Centro para Competitividade nos Mercados de Capitais, da Câmara de Comércio dos EUA, que apoia a proposta digital. “Se você parar e pensar sobre isso alguns minutos, conclui que haverá mudanças radicais nos próximos cinco anos.” A proposta da SEC representa um apenas um pequeno passo, que cobre apenas o tipo de documento conhecido como relatório aos cotistas. Atualmente, os investidores recebem o documento impresso, a menos que optem por recebê­lo somente em formato digital. Os relatórios são enviados duas vezes por ano e contêm dados sobre os ativos do fundo, o desempenho dos mesmos e os gastos da entidade, mas também contêm especificidades jurídicas e ofertas de marketing. A regra proposta simplesmente permitiria à gestora do fundo alterar o padrão de entrega para o formato eletrônico. A medida não cobre outras correspondências dos fundos, como prospectos e informativos a clientes, e ainda exige que as gestoras enviem por correio um aviso com o endereço do website onde ficam as informações on­line. O aviso também incluiria um número de telefone para o qual os investidores podem ligar gratuitamente, caso necessitem solicitar entrega em papel em caráter permanente.

Valor Econômico