Controvérsias quanto à validade de contratos e documentos digitais

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Decisão do STJ traz novas indagações e luzes para este momento de evolução das tecnologias da informação

VICTOR HUGO PEREIRA GONÇALVES

A partir das transformações geradas pelas tecnologias de informação e comunicação, a noção de documento foi ampliada para suportes físicos e lógicos, ou seja, materiais ou imateriais. Sugiram novas formas de celebração de contratos, por meio da internet, que consolidaram relações jurídicas deles decorrentes daqueles e vinculando seus sujeitos. Neste sentido, é importante a verificação dos requisitos para alcançar a validade e a eficácia desse tipo de documento quando celebrado por meio eletrônico.

O documento digital ou eletrônico está definido na Medida Provisória n. 2.200-2/2001. O parágrafo 2º de seu artigo 10º, estabelece o conceito de documento digital, que só será válido se admitido pelas partes ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento. Tal postura é um equívoco. Se há comprovação de autoria por outros meios (auditoria e perícia técnica), além da assinatura, não há que se pedir o consentimento das partes para se confirmar a existência e validade do documento digital.

As regras gerais da Teoria dos Contratos são plenamente aplicáveis àqueles que são firmados pela internet. Se o documento é um meio de demonstrar um fato, o documento eletrônico igualmente o é. Com o advento da web, muitos fatos jurídicos ocorrem por meio dela e não podem ser negados porque se operou sem papel.

Em relação às assinaturas em documentos digitais, surgiram alguns problemas relativos à garantia de sua integridade, autenticidade e disponibilidade da informação em documentos digitais. Isto somente foi obtido por meio da criptografia. A assinatura digital é a criação de um código, através da utilização de uma chave privada, de modo que a pessoa ou entidade que receber a mensagem contendo este código possa verificar se o remetente é mesmo quem diz ser e identificar qualquer mensagem que possa ter sido modificada.

O certificado digital, dentro da estrutura prevista na MP 2.200/2001, garante à assinatura digital a confiança sobre a identidade de quem assina o documento eletrônico. Somente através do estabelecimento da relação de confiança entre as partes, de que o autor da mensagem é de fato quem ele diz ser, pode-se trazer segurança às transações, comunicados internos, e-mails etc.

Só poderão emitir as assinaturas digitais as empresas autorizadas pela Medida Provisória n. 2.200/2001, conforme seu art. 6º, que incluirão num certificado digital as informações pertinentes de identificação do emitido, quais sejam: a) o nome do requerente, endereço, estado civil, etc.; b) a Autoridade Certificadora emissora; c) o número de série e prazo de validade da assinatura; d) a assinatura da Autoridade Certificadora.

A Autoridade Certificadora, que foi instituída pelo art. 6º da Medida Provisória, tem como competência “emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados, bem como colocar à disposição dos usuários listas de certificados revogados e outras informações pertinentes e manter registro de suas operações”.

Efetivamente, há neste ponto uma grande confusão. Ela remete-se ao fato de que a função da Autoridade Certificadora se confunde com a dos cartórios públicos, o que ainda gerará uma grande disputa, já que a Medida Provisória concede poderes que são constitucionalmente designados a estes últimos.

Diferentemente do documento, que é “uma coisa que tem em si a virtude de fazer conhecer outra coisa”[1], contrato é um negócio jurídico que exige a presença de pelo menos duas partes e que tem como objetivo regular uma relação. No sentido lato, todo contrato é um documento, mas nem todo documento é um contrato.

Esta diferença é importante, pois a MP 2.200/2001 regulamenta e define documentos eletrônicos, mas não contratos eletrônicos. Contrato eletrônico é aquele celebrado nos meios tecnológicos de informação e comunicação de acordo com as determinações legais para a sua celebração, em relação à sua forma, à validade e à eficácia (art. 166 do novo Código Civil), e devem atender a sua função social, probidade e boa-fé (arts. 421 e 422 do nCC). As partes podem, licitamente, formatarem contratos atípicos (art. 425 do nCC), tais como o contrato eletrônico.

O contrato eletrônico surgiu de um imperativo econômico da presença marcante das tecnologias de informação e comunicação no processo de globalização da economia mundial. Diante disto, tem função econômica importante: “promover a circulação de riqueza; de colaboração; para prevenção de risco; de conservação de acautelatórios; prevenir ou diminuir uma controvérsia; para a concessão de crédito; constitutivos de direitos reais de gozo, ou de garantia”[2].

Daí a grande relevância do contrato eletrônico: a promoção de riqueza com segurança jurídica. Entretanto, característica intrínseca à segurança jurídica, em relação a contratos, está vinculada à sua capacidade de execução perante o inadimplente, juntamente com as garantias trazidas em suas cláusulas. No ordenamento jurídico brasileiro, o contrato eletrônico, por falta de previsão legal na MP n. 2.200/2001, precisa ser analisado em toda a sua complexidade, a fim de adequá-los às formas prescritas para ser um título executivo extrajudicial.

Contudo, em julgado recente [3], o STJ aceitou o contrato eletrônico com assinatura digital, mesmo sem as duas testemunhas, como sendo título executivo extrajudicial. Tal decisão traz novas indagações e luzes para este momento de evolução das tecnologias da informação e comunicação face à legislação existente.

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[1]. Moacir Amaral dos Santos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, pág. 384

[2]. Orlando Gomes, Contratos, pág. 19.

[3]. http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Contrato-eletr%C3%B4nico-com-assinatura-digital,-mesmo-sem-testemunhas,-%C3%A9-t%C3%ADtulo-executivo

VICTOR HUGO PEREIRA GONÇALVES – Sócio do escritório Pereira Gonçalves Sociedade de Associados, atua há 16 anos como especialista em Direito Digital. É autor do livro Marco Civil Comentado (GEN Forense, 2016). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP (2004), em História pela Universidade de São Paulo – USP (2005), Professor da FATEC Carapicuíba em Direito Empresarial (2006-2008) e Segurança Empresarial. Pesquisador do Grupo de Pericia Forense em Sistemas Informatizados do CnPq. Vice-Presidente da Comissão de Responsabilidade Social da OAB/SP (2006-2008). Professor do INFI FEBRABAN. Mestre em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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