A promessa das finanças digitais

Por Laura Tyson e Susan Lund

Uma revolução de desenvolvimento econômico está literalmente na palma de uma mão. À medida que telefones celulares e tecnologias digitais se disseminam rapidamente pelo mundo, suas implicações para o desenvolvimento econômico, e particularmente no mundo financeiro, ainda não foram plenamente concretizadas. Quanto mais cedo isso mudar, melhor será para as pessoas em todo o mundo. Nas economias emergentes, dois bilhões de pessoas ­ 45% de todos os adultos ­ não têm uma conta formal num banco, instituição financeira ou junto a um provedor móvel de dinheiro. A taxa de “não bancarização” é ainda maior para as mulheres, os pobres e pessoas que vivem em áreas rurais. Além disso, pelo menos 200 milhões de pequenas e médias empresas carecem de crédito ou não têm acesso a crédito. Empreendedorismo, investimento e crescimento econômico sofrem quando a poupança é armazenada fora do sistema financeiro e o crédito é escasso e caro. Felizmente, de acordo com relatório do McKinsey Global Institute (MGI), as tecnologias digitais ­ começando com telefones celulares ­ podem corrigir esse problema e promover um crescimento mais rápido e inclusivo. Os telefones celulares e a internet podem reduzir a necessidade de dinheiro vivo e driblar os canais tradicionais do mundo não virtual. Isso reduz os custos dos provedores de serviços financeiros e torna seus serviços mais práticos e acessíveis ­ especialmente para os usuários de baixa renda em locais remotos. A MGI estima que se o financiamento digital for amplamente adotado, pode adicionar US$ 3,7 trilhões ao PIB dos países emergentes até 2025. Isso equivale a um aumento de 6% acima do usual. Em países de baixa renda com taxas de inclusão financeira muito baixas, como a Nigéria, Etiópia e Índia, o PIB poderia aumentar em até 12%. As finanças digitais podem aumentar o PIB de várias maneiras. Quase dois terços do crescimento esperado viriam do aumento de produtividade, porque as empresas, prestadores de serviços financeiros e organizações governamentais poderiam operar com muito mais eficiência. Outro terço poderia vir do aumento do investimento em toda a economia, à medida que as poupanças pessoais e empresariais foram transferidas para o sistema financeiro formal e, depois, mobilizadas para gerar mais crédito. No que diz respeito à inclusão financeira, o financiamento digital traz dois efeitos positivos. Primeiro, ele expande o acesso. Nos mercados emergentes, em 2014, apenas cerca de 55% dos adultos tinham uma conta bancária ou de serviços financeiros, mas quase 80% possuíam um telefone celular. Esse fosso de 25 pontos percentuais poderia ser fechado, tornando as operações bancárias móveis e as carteiras digitais uma realidade. Mas uma diferença entre gêneros também terá de ser eliminada: em todo o mundo, cerca de 200 milhões de mulheres a menos do que homens possuem telefones celulares ou têm acesso à internet. Em segundo lugar, o financiamento digital reduz custos: a MGI estima que custaria aos prestadores de serviços financeiros 80% a 90% menos ­ cerca de US$ 10 por ano, em comparação com o custo atual de US$ 100 por ano ­ oferecer contas digitais aos clientes, em vez de contas por meio de agências bancárias tradicionais. Usando canais puramente digitais, seria viável atender as necessidades de clientes de baixa renda. Com o financiamento digital, cerca de 1,6 bilhão de pessoas sem contas bancárias ­ mais da metade das quais são mulheres ­ teriam acesso a serviços financeiros, transferindo cerca de US$ 4,2 trilhões em dinheiro e economias atualmente em veículos informais para o sistema financeiro formal. Isso permitiria que outros US$ 2,1 trilhões fossem canalizados na forma de crédito para indivíduos e pequenas empresas. As empresas poderiam economizar em custos de mão de obra e os governos poderiam receber mais US$ 110 bilhões por ano porque os canais digitais tornam a cobrança de impostos mais barata e confiável. Novos serviços baseados em dinheiro móvel já estão mostrando o potencial das finanças digitais. No Quênia, a M­Pesa ­ que transforma o telefone celular em carteira móvel ­ alavancou poderosos efeitos de rede e gerou uma vasta expansão na proporção de adultos que usam serviços financeiros digitais. Essa participação cresceu de zero para 40% em três anos, e subiu para 68% até o fim do ano passado. As tradicionais contas de serviços financeiros tendem a crescer ao ritmo da renda nacional, mas a taxa de adoção da M­Pesa foi mais rápida, demonstrando que as finanças digitais têm uma penetração de mercado significativa, mesmo nos países mais pobres do mundo. Mas essas histórias de sucesso não acontecem num vácuo. Para começar, todo mundo precisa de um telefone celular com um plano de dados acessível. Embora as empresas possam ajudar, cabe aos governos e organizações não governamentais estender as redes móveis a áreas de baixo retorno e a populações remotas. Os governos devem também assegurar a interoperabilidade das redes entre bancos e empresas de telecomunicações. Caso contrário, o uso de celulares para serviços financeiros e pagamentos será impossível. Os governos precisam também estabelecer formas universalmente aceitas de identidade, para que os prestadores de serviços possam controlar fraudes. Nas economias emergentes, uma em cada cinco pessoas não são registradas, em comparação com apenas uma em cada dez das economias avançadas. Quase 20% das mulheres sem contas bancárias nos países emergentes não têm a documentação necessária para abrir uma conta. Mesmo quando as pessoas têm carteiras de identidade, elas devem ser passíveis de autenticação digital. Identificadores digitais que usam microchips, impressões digitais ou digitalizações de íris podem ser úteis ­ e já estão ganhando popularidade ­ em economias emergentes. Finalmente, os governos precisam implementar regulamentações que estabeleçam um equilíbrio entre proteger os investidores e os consumidores, e dar aos bancos, varejistas e empresas de tecnologia financeira e telecomunicações espaço para competir e inovar. Como as regulamentações muitas vezes representam obstáculos aos concorrentes não bancários, os governos devem considerar uma abordagem em camadas, em que as empresas sem uma licença bancária completa podem fornecer produtos financeiros básicos a clientes com contas menores. Um bom modelo para isso é o “ambiente de proteção regulatória” britânico para empresas de tecnologia financeira, que impõe menores exigências regulamentares aos agentes emergentes até que atinjam determinada escala. A inclusão financeira é vital para o crescimento econômico inclusivo e para a igualdade de gêneros, e assumiu um papel de relevo nos esforços de desenvolvimento mundial, e o Banco Mundial assumiu a meta de inclusão financeira universal até 2020. Como bilhões de pessoas em economias emergentes já usam telefones celulares, as finanças digitais tornam esse objetivo realizável. (Tradução de Sergio Blum)

Laura Tyson, ex­presidente do Conselho de Assessores Econômicos dos EUA, é professora da Haas School of Business da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e conselheira sênior do Rock Creek Group.

Susan Lund é sócia no McKinsey Global Institute. Copyright: Project Syndicate, 2016. www.project­syndicate.org

Fonte: Valor Econômico – 15/12/2016