Elos de proteção

Por Ana Luiza Mahlmeister | Para o Valor, de São Paulo

A digitalização nas empresas alterou o modo como os profissionais de segurança administram a proteção de dados. Com o aumento da conectividade e da diversidade de dispositivos, vários tipos de rede que nunca haviam se interligado estão se conectando, elevando o mercado global de segurança a US$ 202,3 bilhões até 2021, segundo a Market & Markets. Fusões como a integração da Intel com a McAfee, a joint­venture da Stefanini com a israelense Rafael, da Avast com a AVG, e da Symantec com a Blue Coat, são amostras da movimentação para somar especialidades e formar pesos­pesados para dar conta desse mercado. Com todos os dados armazenados na nuvem, a segurança passou a ser prioridade, e deve avançar dois pontos percentuais em participação no orçamento das empresas nos próximos dois anos no Brasil, segundo o IDC, representando um desafio para os gestores. Um estudo realizado em novembro de 2015 pelo Ponemon com executivos de segurança das empresas revelou que 47% das companhias já sofreram violação de segurança envolvendo ataque que comprometeu suas redes e sistemas. De acordo com o estudo, esses ataques podem ter sido externos, por hackers, por exemplo, ou internos, “malicious insider”, ou ambos. A maioria dos entrevistados (65%) diz que a inteligência sobre ameaças poderia ter evitado ou minimizado as consequências do ataque. “As empresas precisam tomar medidas para proteger os dados à medida que eles se movem para fora de suas instalações, mesmo que seja dentro de sua própria rede privada ou nas redes de provedores de serviços”, afirma a presidente da Ciena no Brasil, Patrícia Vello. A nuvem e a mobilidade fazem com que o perímetro da segurança seja dissolvido. “Com tantos dispositivos diferentes conectados, como os pessoais usados nas empresas, serviços de armazenamento de dados na nuvem e dispositivos vestíveis, é muito difícil definir onde começa e onde termina o ambiente corporativo para aplicar as soluções de segurança, por isso a preocupação atual é proteger o dado, onde quer que ele esteja, na nuvem, na rede, no dispositivo ou em um ponto da rede”, explica o Marcio Kanamaru, diretor geral da Intel Security no Brasil. As mais propensas aos ataques cibernéticos são instituições financeiras, de saúde, serviços e agências públicas. As redes corporativas têm três desafios quando se trata de segurança e gerenciamento: a proteção de dispositivos, o comportamento do usuário e o fornecimento de conexões seguras para a nuvem. Muitas empresas estão preparadas em termos de segurança para os dois primeiros, mas é importante que elas também coloquem em prática um plano para proteger os dados que estão sendo enviados para a nuvem. “Criptografar todo o tráfego de dados antes que ele chegue a uma fibra e saia do prédio ou do datacenter garantirá a segurança do canal de dados, não importa que aplicativo ou dispositivo gerou o sinal, ajudando as empresas a assegurarem que os dados em trânsito estão seguros”, afirma Patrícia. Investimentos apenas na proteção de servidores, como se fazia há pouco tempo, já não barram as ameaças. “Hoje, 90% orçamento de segurança digital vai para sistemas clássicos de proteção, mas o atual cenário exige  soluções mais avançadas e complexas que embarquem inteligência”, afirma Claudio Martinelli, diretor geral da Kaspersky no Brasil. A previsão é de que nos próximos três anos pelo menos 60% do orçamento da gestão de segurança serão dirigidos para treinamento dos funcionários em soluções contra ameaças avançadas. Os ataques em massa que têm como alvo centenas de servidores, tendem a desaparecer, substituídos por ameaças dirigidas a determinados segmentos e companhias. “Os criminosos buscam entradas com pen drives de funcionários, redes wi­fi desprotegidas, plantando sistemas espiões que demoram muito tempo para serem detectados”, afirma Martinelli. Na Olimpíada, foi retomada uma das ameaças mais conhecidas do mercado, o ataque de negação de serviço (DDoS), praticado por grupos de hackers. No entanto, os ataques relacionados a fraudes financeiras e os de sequestro de dados (ransomwares) são hoje os mais comuns. “Todas as áreas são vulneráveis, mas destaco a financeira, a de recursos humanos e a de marketing, principalmente porque essas áreas têm acesso a informações sensíveis e recebem muitos anexos através de e­mails, o grande vilão na disseminação de ataques direcionados, os chamados APT”, afirma Thiago Bordini, diretor de inteligência cibernética do Grupo New Space. Com o comércio eletrônico, o varejo também aumentou seus investimentos em segurança, vindo logo após o setor financeiro. O relatório “Monetização ­ Programas de Fidelização de Clientes” do grupo New Space, aponta que, em uma simulação anual, o prejuízo para uma companhia área que tem os seus dados de milhagem furtados, por exemplo, ultrapassaria R$ 1,62 milhão. Com a internet das coisas, o ambiente de automação industrial também se tornou uma área sensível, criando a necessidade de novas arquiteturas de segurança para identificar, responder, bloquear e contra­atacar tentativas de invasão. “A ideia é conhecer o seu inimigo, antecipar seus movimentos, estar preparado e pronto para quando for atacado, diferentemente da estratégia tradicional, centrada apenas em responder e tratar os ataques que são originados contra a empresa”, aponta Carlos Alberto Costa, diretor geral da joint­venture da Stefanini com a israelense Rafael, especializada em segurança cibernética no combate ao terrorismo. Um dos pontos mais sensíveis das empresas, segundo Vince Steckler, CEO da Avast, é o fator humano. “Seres humanos cometem erros e os hackers gostam de se aproveitar desses erros, por isso é vital que as empresas discutam com seus empregados as melhores práticas em segurança”, ressalta Steckler. Estima­se que o cybercrime atualmente tenha um custo anual global de US$ 650 bilhões, ou o equivalente à 26ª economia global. O último relatório de ameaças do McAfee Labs detectou crescimento de 32% no número global de malwares ­ software destinado a se infiltrar em um computador alheio de forma ilícita ­ entre o primeiro trimestre de 2015 e o primeiro trimestre de 2016. Já o total de amostras de malwares de dispositivos móveis cresceu 113% no último ano. “Com o aumento da complexidade dos ambientes corporativos, a tendência do mercado de segurança da informação é focar na integração das soluções, a fim de compartilhar inteligência e agir de forma mais rápida contra as ameaças”, diz Kanamaru, da Intel.

Mercado brasileiro também passa por consolidação 

O mercado brasileiro está amadurecendo rápido e encarando a cybersegurança como estratégica. Os serviços de segurança da América Latina no ano passado foram avaliados em US$ 1,6 bilhão, sendo que o Brasil representa aproximadamente 50% desse montante, segundo o Gartner. Antes vista como parte da área de tecnologia da informação das empresas, a segurança ampliou alcance dando espaço para o desenvolvimento de soluções locais por empresas brasileiras que começaram como startup, como a Tempest. A empresa foi incubada no C.E.S.A.R. (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife) ligado à Universidade Federal de Pernambuco e presente no Porto Digital, polo tecnológico de Recife. Fez o spin­off em 2003 e em 2004, abriu operações em São Paulo, onde continuou a ampliar a base de clientes nos mercados financeiro, telecomunicações, comércio eletrônico e mídia. Com 150 colaboradores, 100 em Recife, 45 em São Paulo e cinco em Londres, recebeu neste ano um aporte de capital de R$ 28 milhões do fundo FIP Aeroespacial, venture capital da Embraer, para acelerar o crescimento da empresa no mercado nacional e internacional. Para atuar em um mercado tão disputado, Cristiano Lincoln Mattos, CEO da Tempest, aponta investimentos em três áreas. “É necessário saber como os ataques acontecem e como a ameaça opera, como defender e construir sistemas para se adiantar às ameaças”, explica. Atuar nos três eixos, segundo Mattos, diferenciou a empresa não só no Brasil como em outros países. Em 2012, abriu operações em Londres para atender o Reino Unido e Europa. “15% do nosso faturamento já vem de fora do Brasil, com clientes nos EUA, Inglaterra, Suíça e Chile”, afirma Mattos. Outro ponto positivo é contar com suporte local, em língua portuguesa, e conhecer a fundo o cenário de ameaças no país. As ameaças digitais mudam e se adaptam muito rapidamente, e estratégias tradicionais de segurança como firewalls, antivírus, filtros e bloqueios são insuficientes para defender contra os ataques de maior impacto. “Todo o mercado de segurança caminha para a linha de ‘intelligence­driven security’, em que informações sobre como os cibercriminosos operam e suas capacidades direcionam toda a estratégia de segurança”, explica Mattos. Ele também aponta que as soluções que mais crescem são no modelo SaaS (Software as a Service) em que ao invés de instalar servidores e softwares no ambiente do cliente, toda a solução é provida por meio de computação em nuvem, sem a necessidade de instalação e pagando por volume de uso ao invés de um custo fixo. Assim como no cenário internacional, o mercado brasileiro está se consolidando. Neste ano a fusão da paulista Cipher, que tem escritórios no Brasil, Inglaterra e EUA, com a BRconnection, deu origem à Blockbit com uma carteira de 3 mil clientes. A empresa é especializada na proteção de redes e ataques cibernéticos com sistemas que verificam os e­mails para que nenhum computador seja infectado por malwares, e também analisa os ativos de tecnologia para detectar vulnerabilidades que podem ser exploradas por hackers. “O Brasil é um dos países que mais sofrem perdas relacionadas a cyberataques e também o que mais investe em segurança”, afirma o CEO da Blockbit, Eduardo Bouças.  Segundo o Gartner, o mercado brasileiro de gastos com segurança cresce a um ritmo médio anual de 12%, acima das taxas apresentadas globalmente, que são de 8%. Parte deste crescimento é influenciado pelo volume e sofisticação dos ataques, similares aos da Rússia e China, avalia Bouças. As perdas com ataques cibernéticos no Brasil atingiram US$ 8 bilhões em 2014, de acordo com relatórios da Comissão Econômica para América Latina e Caribe. “O valor da informação e a dependência das operações digitais crescem exponencialmente e os ataques estão em constante evolução, o que fará com que o mercado mantenha suas taxas de crescimento”, avalia Bouças. As táticas vão desde a tentativa de desfiguração de um website, conhecida como hacktivismo, até o roubo de dados pessoais. Muitos criminosos pedem resgate para devolver acesso a dados vitais da operação e até para ter de volta uma conta de e­mail ou de redes sociais.

Fonte: Valor Econômico – 22/08