Por Edmar Araújo
Não restam dúvidas que a transformação digital ainda é um desconforto para todos nós. Nem sempre seus ainda surpreendentes efeitos práticos, sejam eles sociais, técnicos, políticos ou jurídicos, são tão clarividentes. Por isso, a Associação das Autoridades de Registro do Brasil (AARB) vem a público tecer considerações acerca da publicação do portal de notícias G1 intitulada “O delírio da assinatura eletrônica” assinada por Helio Gurovitz, publicada no último dia 5 de dezembro.
O autor escreve:
Na fantasia tecnológica do bolsonarismo, bastaria ao eleitor carregar um aplicativo em seu celular e assinar com sua impressão digital seu apoio à Aliança pelo Brasil.
Não é verdade que assinaturas digitais, que até podem ser sinônimas das assinaturas eletrônicas no campo do conhecimento comum, mas não o são na semântica das tecnologias da informação e comunicação, sejam feitas com o uso de biometria. Aliás, não é possível, tecnicamente, realizar assinaturas com biometria. O fator unívoco da identificação, que é a própria biometria, não se confunde com a manifestação da vontade, que é a própria assinatura. Exemplo claro disso é o processo eleitoral brasileiro, momento em que o cidadão se identifica biometricamente, mas não é com ela que ele escolhe seus candidatos.
E continua:
Na prática, uma autorização do tipo envolve uma infra-estrutura que precisaria ser desenvolvida, implementada e autorizada. A tecnologia para verificar as assinaturas eletrônicas teria de estar disponível aos responsáveis por conferi-las, no limite em todos os cartórios eleitorais do país.
No Brasil, essa infraestrutura já existe. Chama-se Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), já entregou cerca de 30 milhões de certificados digitais e o próprio Poder Judiciário é uma Autoridade Certificadora capaz de emiti-los. São estes certificados digitais que produzem as assinaturas digitais permitidas pelo TSE. A tecnologia para conferi-las está disponível no Brasil há mais de 18 anos. Exemplo é o próprio Processo Judicial Eletrônico (PJe), que abandonou o trâmite em papel pelo digital e faz uso das assinaturas produzidas no âmbito da ICP-Brasil.
O autor informa que há 17 Autoridades Certificadoras disponíveis para emissão de certificados digitais. A informação está correta, mas deve ser complementada: há ainda 96 Autoridades Certificadoras de 2º nível, 1446 Autoridades de Registro e pouco mais de 27 mil Agentes de registro, profissionais habilitados para emitir certificados digitais em qualquer canto do país.
Mais a frente, Helio Gurovitz escreve:
Depois de recolhidas as assinaturas, em formato físico ou digital, elas precisam ser conferidas. Isso costuma ser feito manualmente nos cartórios eleitorais, de onde seguem aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), daí ao TSE. Nenhum desses organismos dispõe de tecnologia ou regulamentação legal para conferir uma assinatura digital.
Assinaturas digitais ou eletrônicas jamais são conferidas manualmente. Tal afirmação depõe contra toda a tecnologia da informação presente em nossa vida e não condiz, nem por analogia, com a realidade.
Imagine Google ou Facebook procedendo a conferência manual toda vez que digitássemos nossa senha (nossa assinatura eletrônica). Imaginou? Pois é.
O Judiciário, repito, detém experiência de sobra para o reconhecimento sistêmico de assinaturas digitais produzidas com certificados ICP-Brasil. Além disso, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), autarquia federal vinculada à Casa Civil da Presidência da República, disponibiliza há anos um verificador de assinaturas, que atesta a conformidade de arquivos assinados digitalmente. Adobe e Microsoft também já reconhecem essas mesmas assinaturas em seus repositórios, sinal da credibilidade que nossos certificados digitais têm no mundo inteiro.
O autor prossegue:
Primeiro, será preciso estabelecer convênios com todas as 17 autoridades certificadoras habilitadas a emitir os certificados válidos, de modo a garantir ao TSE os meios de conferir as assinaturas.
Um dos princípios da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira é o da interoperabilidade. Isso significa que a assinatura digital produzida por certificado emitido pela Autoridade Certificadora A sempre será a mesma da B, da C, da D e até da Z. Não é preciso convênio com nenhuma Autoridade Certificadora, mas apenas que haja um ambiente digital propício para que pessoas manifestem seu desejo de apoiar a abertura de um partido político e o façam com o uso de assinaturas digitais.
Mais: um documento assinado com certificado ICP-Brasil é autocontido, é um fim em si mesmo, o que significa que ele não depende de acordos com Autoridades Certificadoras, não depende de sistemas complexos. O documento assinado digitalmente vive sem o sistema, como uma assinatura em papel com firma assinada.
É possível afirmar que a abertura de partidos políticos no meio virtual depende, apenas, de um sistema de acolhimento de assinaturas digitais ICP-Brasil. Resta ao TSE decidir como queira fazê-lo, mas não se trata de uma tecnologia desconhecida pela Corte tampouco algo que seja um verdadeiro bicho de sete cabeças.
Edmar Araújo é presidente-executivo da Associação das Autoridades de Registro do Brasil (AARB), membro titular do Comitê Gestor da ICP-Brasil e Bacharel em Comunicação Social, pós-graduado em Letras.