Paola Carrara de Sambuy Gomes, Paulo Henrique Signori Pinese e Rhanna Carvalho Espirito Santo*
A velocidade de operações cada vez mais integradas e globais traz à tona necessidades de mudança no ordenamento jurídico por respostas mais céleres e acessíveis. Não raro, o empresário brasileiro se depara no seu dia a dia com dificuldades na formalização de contratos e atos societários, cujas contrapartes se encontram a centenas de quilômetros de distância, dependendo ainda, para serem utilizados, de algumas idas ao cartório – mas isso está mudando com o amparo da assinatura digital.
Há quase vinte anos, foi dado o passo inicial para a mudança: a Medida Provisória nº 2.200-2/2001 instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), responsável por atribuir autenticidade, integridade e validade jurídica a documentos originariamente eletrônicos que utilizam certificados digitais. A identificação individualizada é feita por autoridades certificadoras vinculadas ao ICP-Brasil, com a emissão de e-CPF e e-CNPJ. Assim, os documentos eletrônicos assinados digitalmente com o uso de certificados emitidos no âmbito da ICP-Brasil têm a mesma presunção legal de veracidade e integridade em relação aos signatários de documentos assinados manualmente, em vias físicas.
Dentre os benefícios trazidos pela utilização de assinatura digital estão a economia de tempo na coordenação da coleta de assinaturas, economia de custos cartorários de autenticação e reconhecimento de firma, gastos com transporte de documentos, o inerente risco de extravio e exposição indevida de informações confidenciais a terceiros. A despeito de a adoção do modelo de assinatura digital gerar custo com os procedimentos realizados pelas certificadoras, trata-se de solução jurídica adequada à nova forma de condução das negociações de contratos entre as partes, que não mais exige a presença física, ao timing da rotina empresarial e à necessidade de celeridade na formalização das aprovações societárias.
Um dos conceitos básicos, que frequentemente gera dúvidas na compreensão do tema, é o de assinatura eletrônica e sua diferenciação com relação à assinatura digital. Assinatura eletrônica é o termo amplamente utilizado enquanto gênero para os diversos mecanismos de autenticação no meio eletrônico, que não necessariamente terão validade jurídica, dentre os quais figura a assinatura digital com utilização de certificação digital com chaves criptográficas conforme critérios estabelecidos pela ICP-Brasil. Ademais, a assinatura digital diferencia-se da assinatura digitalizada, sendo esta a reprodução de imagem com a assinatura manuscrita, a qual, além de suscetível a fraudes, não possui validade jurídica no Brasil.
Sobre tal distinção, cabe destacar que a presunção de veracidade e integridade atribuída aos documentos produzidos eletronicamente com assinatura digital não se estende a outras espécies de assinatura eletrônica, como assinaturas digitalizadas, senhas e criptografias não certificadas pelo ICP-Brasil ou aceite digital conferido com clique em caixas de formulários (opt-in) e links, que carecem do preenchimento dos requisitos mínimos para que tenham sua presunção de veracidade e integridade chancelada, principalmente no que se refere à autenticidade e segurança sobre autoria da assinatura ou anuência.
Nesse sentido, cumpre observar que a Medida Provisória nº 2.200-2/2001 confere às partes o direito de estabelecer a comprovação de autoria e integridade dos documentos e respectivas assinaturas por formas eletrônicas diversas, inclusive quando assinados digitalmente por meio de certificados emitidos fora dos parâmetros estabelecidos pelo ICP-Brasil, desde que essa condição de validade seja expressamente disposta no instrumento celebrado e aceita por todas as partes envolvidas. Entretanto, ainda que as formalidades descritas acima sejam observadas, a ausência do certificado digital conferido pelo ICP-Brasil possibilita a impugnação do documento caso sua autenticidade seja contestada por uma das partes.
Um requisito fundamental à validade do documento assinado digitalmente diz respeito à manutenção da forma eletrônica, uma vez que sua verificação de autenticidade será realizada por meio do respectivo link ou código gerado para acesso do instrumento armazenado digitalmente no portal da certificadora, sem possibilidade de alterações posteriores à data de sua assinatura digital, de forma que, caso seja impresso, a via física não será considerada juridicamente válida.
Embora a adaptação aos sistemas eletrônicos de registro ainda seja incipiente no Brasil, o descompasso entre lei e estrutura tecnológica vem reduzindo nos últimos anos. Nesse sentido, as juntas comerciais de alguns estados da federação, bem como outros órgãos públicos e tribunais, já adotam sistemas totalmente digitais, os quais proporcionam maior agilidade e redução de custos para a administração pública.
Por exemplo, nas juntas comerciais dos estados do Amazonas, Ceará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, os documentos a serem registrados por empresas e sócios devem ser assinados digitalmente e enviados ao sistema eletronicamente, dispensada a apresentação de qualquer documentação em via física. Depois da análise e deferimento do registro, é disponibilizada a versão digital do documento arquivado. Igualmente, cartórios em diversas comarcas têm utilizado procedimentos eletrônicos para registro de documentos.
No que se refere a registros contábeis, as juntas comerciais permitem o envio eletrônico da escrituração das empresas, a qual deve ser assinada pelo representante legal por meio de certificado digital. Esse serviço, parte integrante do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), possibilita que o envio de livros seja realizado com rapidez e comodidade, estando disponível para diversos tipos de empresas.
Apesar dos inegáveis benefícios da assinatura digital para as atividades diárias das empresas, a sua maior utilização pela população em geral ainda encontra obstáculos, tais como o risco de perda ou extravio dos dispositivos para certificação digital como cartão ou token, a existência de barreiras tecnológicas para a utilização e aceitação de documentos assinados eletronicamente – considerando a infraestrutura necessária para produção e verificação destes – e o custo associado ao uso da tecnologia – taxas são cobradas pelas autoridades certificadoras para emissão do certificado e para armazenamento de documentos assinados com o certificado em seu sistema.
Por fim, os benefícios advindos da utilização do certificado digital, o qual é dotado de autenticidade, integridade e validade jurídica, com aplicações na assinatura de documentos societários, contratos empresariais e na entrega de escrituração contábil das empresas, compensam, em muitos casos, os custos associados ao uso da tecnologia, consistindo em mecanismo apto a reduzir despesas corporativas atreladas às limitações inerentes aos documentos físicos e à certificação de documentos, bem como criar um cenário sólido e inovador nas relações empresariais.
*Paola Carrara de Sambuy Gomes, Paulo Henrique Signori Pinese e Rhanna Carvalho Espirito Santo, advogados do Stocche Forbes Advogados
Fonte: O Estado de S.Paulo