Carlos Ferrari e Felipe Amaral
Em meio ao cenário atual da crise de saúde pública e econômica, as empresas se veem na obrigação de adotar uma série de medidas para evitar o contato físico entre as pessoas, de forma a conter a velocidade de transmissão do vírus e preservar o sistema de saúde.
A utilização de recursos tecnológicos para a interação social e comercial se torna indispensável, inclusive para viabilizar a formalização de instrumentos contratuais, dando continuidade às relações jurídicas, sem contato físico e eliminando procedimentos manuais, que envolvem assinaturas de próprio punho, reconhecimento de firmas por autenticidade em cartórios, transporte e arquivamento das vias físicas do contrato. Com a oportuna publicação do Decreto nº 10.278, de 18 de março de 2020, que regulamenta parte do artigo 3º da Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), os documentos digitalizados passam a produzir os mesmos efeitos legais dos documentos físicos ou originais.
Assim, nos parece indissociável que os documentos produzidos e assinados apenas por meio digital também tenham plena validade e eficácia. Todavia, para fins de garantia de integridade, autenticidade e validade do ato jurídico, este documento deve ser assinado digitalmente, por ambas as partes, com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil), instituída pela Medida Provisória nº 2.200-2/2001 (“MP 2.200-2”).
A assinatura digital é uma tecnologia que utiliza a criptografia e vincula o certificado digital, no padrão de tecnologia adotada e exigida no Brasil, ao documento eletrônico que está sendo assinado, e equivale a uma assinatura de próprio punho. Pode, portanto, ser utilizada para assinar, por exemplo, um contrato eletrônico, que possui a eficácia de título executivo extrajudicial assim como os contratos formalizados em meio físico.
A validade e a admissibilidade legal da assinatura digital são garantidas pelo Art. 10 da MP 2.200-2, que confere presunção de veracidade em relação aos signatários nas declarações constantes do documento em forma eletrônica que utilizaram o certificado digital. A assinatura digital tem ainda como um de seus principais aspectos o não repúdio, isto é, previne que uma parte, agindo de má-fé, conteste uma transação após formalizá-la ou a veracidade do conteúdo transmitido. Assim, caberá exclusivamente à parte que repudiar a assinatura o ônus de provar a sua inautenticidade.
Atualmente, tanto as pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas já utilizam certificado digital (E-CPF ou E-CNPJ) para finalidades diversas, como acesso a serviços de órgãos públicos e cumprimento de obrigações tributárias (ex.: DIPF, DIPJ, Receita Federal), sem qualquer prejuízo à validade e certeza das informações transmitidas.
Além da evidente contribuição desta ferramenta para a segurança à saúde dos signatários de instrumentos contratuais diante das circunstâncias que demandam o distanciamento social, o uso da assinatura digital traz benefícios adicionais, tais como: (i) economia com o reconhecimento de firmas, já que a assinatura com o certificado no padrão ICP-Brasil tem a mesma força da reconhecida em cartório; (ii) economia de recursos físicos e gestão de espaço; (iii) celeridade no tempo e nos processos de assinatura de documentos; (iv) sustentabilidade; (v) gerenciamento eficaz; (vi) simplificação dos procedimentos de assinatura; (vii) inovação; e (viii) mobilidade.
Vale destacar que a assinatura digital não se confunde com a assinatura eletrônica. No caso da primeira, como aqui tratamos, a validade jurídica dos documentos eletrônicos é atribuída por meio da assinatura com certificado digital no padrão ICP-Brasil e seus efeitos equivalem ao reconhecimento de firma. Por outro lado, a assinatura eletrônica, é gerada a partir da grafia de uma assinatura na tela de um dispositivo eletrônico, e tem a eficácia probatória de acordo com as evidências colhidas, tais como geolocalização, voz, imagem, biometria, carimbo do tempo, código de acesso e chaves eletrônicas. Em outras palavras, a assinatura eletrônica é um conjunto de dados que conectam, de um lado, um documento eletrônico específico, e, de outro, uma determinada pessoa utilizando algum método de autoria, passando a ter validade jurídica.
Apesar de não existir objeção para o uso de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, é ainda controversa a discussão acerca da força executiva da assinatura eletrônica. Isto porque ela pode não oferecer a mesma segurança e a garantia de veracidade do certificado digital no padrão ICP-Brasil, na medida em que não é equiparada ao reconhecimento de firma e sua validade depende da demonstração de alguns critérios técnicos (certificação, geolocalização, etc.).
Visando preservar a continuidade da prestação de serviços pelos Cartórios de Registros de Imóveis, o CNJ editou o Provimento nº 94, de 28 de março de 2020, determinando que durante a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (EPIN), todas as serventias deverão recepcionar títulos gerados eletronicamente e assinados com o certificado digital no padrão ICP-Brasil. Os protocolos de títulos assinados digitalmente deverão ser encaminhados para a unidade a seu cargo por meio das centrais de serviços eletrônicos – a exemplo do site Registradores.org.br, ao qual estão integradas as serventias imobiliárias dos estados do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pernambuco, Pará e Rondônia.
Embora seja uma decisão tomada em caráter transitório enquanto perdurar o distanciamento social decorrente da crise sanitária, espera-se que a adaptação dos cartórios a esta nova realidade permaneça e crie condições para que quaisquer documentos assinados digitalmente sejam amplamente aceitos de forma definitiva.
*Carlos Ferrari, sócio-fundador do NFA Advogados; Felipe Amaral, advogado associado do NFA Advogados
Fonte: O Estado de S.Paulo