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Assinatura eletrônica e digital: entre prática judicial e debate acadêmico

Em artigo para o site Consultor Jurídico, juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia lembra que apenas a assinatura digital qualificada possui validade para a prática de atos processuais.

Por Cícero Alisson Bezerra Barros

O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação impactou de forma decisiva a prática jurídica contemporânea. A informatização do processo judicial, consolidada no Brasil pela Lei nº 11.419/2006, trouxe consigo novos desafios interpretativos, sobretudo no que se refere à validade dos meios de autenticação documental. Dentre eles, destacam-se a assinatura eletrônica e a assinatura digital, institutos frequentemente confundidos tanto por profissionais quanto por jurisdicionados.

O presente artigo decorre de uma experiência concreta em minha prática jurisdicional, em que me deparei com procurações outorgadas mediante assinatura eletrônica simples (via plataformas como Zapsign, Clicksign, D4Sign, entre outras). A análise desse caso permitiu não apenas a aplicação da lei e da jurisprudência pertinentes, mas também a constatação de que o ambiente judicial exige rigor técnico que não se confunde com o espaço de debate acadêmico.

Assim, busco aqui, na arena própria da academia, expandir a reflexão sobre o tema. Na atividade jurisdicional, cabe aplicar a legislação e a jurisprudência vigente; já a esfera acadêmica, por sua vez, é o locus adequado para discutir os limites, desafios e eventuais reformas normativas.

Assinatura eletrônica e assinatura digital: distinções necessárias

A distinção entre assinatura eletrônica e assinatura digital não é meramente terminológica, mas de ordem técnica e jurídica.

Assinatura digital prevista na Medida Provisória nº 2.200-2/2001 e regulamentada pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), é aquela que utiliza criptografia assimétrica, conferindo autenticidade, integridade e presunção de validade jurídica ao documento. Exige a utilização de certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, usualmente armazenado em tokens ou cartões.

Assinatura eletrônica gênero mais amplo, subdividido pela Lei nº 14.063/2020 em três espécies: simples, avançada e qualificada. As duas primeiras podem se valer de meios como login, senha, biometria, IPs ou geolocalização. Já a assinatura eletrônica qualificada equivale à assinatura digital stricto sensu.

A confusão entre os termos reside justamente no fato de a assinatura digital ser uma modalidade específica de assinatura eletrônica, mas dotada de requisitos técnicos mais rigorosos.

A aplicação no processo judicial

A Lei nº 11.419/2006 foi explícita ao exigir, para a prática de atos processuais em meio eletrônico, o uso de assinatura digital baseada em certificado ICP-Brasil (artigo 1º, § 2º, III, “a”). Essa exigência decorre da necessidade de assegurar não apenas a autenticidade, mas também a integridade e a segurança jurídica dos atos processuais.

Em minha prática profissional, verifiquei situações em que as partes apresentaram procurações firmadas por meio de plataformas de assinatura eletrônica não integradas à ICP-Brasil. Em casos assim, a jurisprudência tem sido firme: tais instrumentos não suprem o requisito de representação processual, acarretando o indeferimento da petição inicial ou a extinção do feito sem resolução de mérito.

Tribunais como o Tribunal de Justiça de São Paulo, Tribunal de Justiça do Paraná e Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul reiteradamente afirmaram que plataformas privadas (Clicksign, Autentique, Zapsign, D4Sign etc.) não se equiparam ao padrão ICP-Brasil e, portanto, não conferem validade jurídica aos documentos juntados em processos eletrônicos [1].

A validade nas relações privadas

Cumpre destacar, todavia, que a legislação permite que as assinaturas eletrônicas simples e avançadas tenham plena validade nas relações entre particulares, desde que aceitas pelas partes. O artigo 10, § 2º, da MP nº 2.200-2/2001, é expresso ao admitir “outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica”, desde que reconhecido pelos contratantes.

Assim, contratos de consumo (como a compra de veículos ou a contratação de serviços bancários), acordos empresariais e instrumentos particulares podem ser validamente firmados por assinatura eletrônica não qualificada, desde que observados os deveres de informação e transparência, especialmente à luz do Código de Defesa do Consumidor.

O que não se admite, contudo, é a utilização de tais meios no âmbito judicial, em razão da exigência legal específica.

A demarcação clara dos âmbitos de validade

A análise empreendida permite fixar uma distinção incontornável: no âmbito judicial, apenas a assinatura digital, baseada em certificado emitido no padrão ICP-Brasil, é admitida para fins de validade processual. Trata-se de exigência legal expressa, insculpida na Lei nº 11.419/2006, e reiteradamente confirmada pela jurisprudência. A opção do legislador decorre da necessidade de conferir ao processo eletrônico o mais elevado grau de segurança, garantindo presunção de integridade, autenticidade e validade jurídica dos documentos apresentados em juízo.

Por outro lado, nas relações privadas tais quais contratuais, empresariais ou consumeristas, a legislação autoriza maior flexibilidade. Tanto a assinatura digital quanto a assinatura eletrônica (nas modalidades simples ou avançada) podem ser utilizadas, desde que respeitados os deveres informacionais e de transparência entre as partes. Nesses casos, a assinatura digital mantém a presunção de autenticidade e integridade, ao passo que a assinatura eletrônica gera apenas presunção relativa, sujeita à necessidade de prova em caso de impugnação.

Portanto, o quadro normativo brasileiro estabelece dois cenários distintos, quais sejam, de um lado, o processo judicial, em que somente a assinatura digital é apta a conferir validade jurídica; de outro, as relações privadas, em que a autonomia da vontade e o acordo expresso das partes permitem a utilização da assinatura eletrônica como meio idôneo de formalização de negócios jurídicos.

A prática judicial e o debate acadêmico

O ponto nevrálgico que merece reflexão é a diferença entre os papéis da prática jurisdicional e da produção acadêmica.

Na prática judicial, não há espaço para experimentações acadêmicas ou flexibilizações interpretativas que desconsiderem a lei e a jurisprudência consolidada. Ao juiz, incumbe aplicar o direito vigente, ainda que eventualmente discorde de suas limitações. Nesse contexto, a assinatura digital qualificada é a única forma admitida para validar documentos processuais eletrônicos.

Já no campo acadêmico, abre-se espaço para o debate crítico. Perguntas como: seria possível flexibilizar a exigência legal em favor da desburocratização? Seria viável o reconhecimento de plataformas privadas mediante auditoria estatal? A tecnologia blockchain poderia oferecer alternativas seguras e economicamente acessíveis?

Esses questionamentos não cabem na sentença ou decisão judicial, mas são indispensáveis ao progresso do direito. A academia, nesse sentido, cumpre papel essencial de tensionar os limites normativos e propor reformas.

Conclusão

O enfrentamento do tema em minha prática judicial levou ao reconhecimento de que a assinatura eletrônica simples ou avançada não supre os requisitos legais para a prática de atos processuais. Apenas a assinatura digital qualificada, baseada em certificado ICP-Brasil, possui validade nesse contexto.

Por outro lado, essa constatação não esgota o debate. Ao contrário, revela a importância de que a academia reflita sobre alternativas, custos, acessibilidade e inovações tecnológicas capazes de compatibilizar segurança jurídica com eficiência prática.

Na atividade jurisdicional, cumpre aplicar a lei. Na arena acadêmica, cabe questioná-la e buscar sua evolução. É justamente nesse espaço de diálogo que este artigo se insere, como contribuição ao necessário debate sobre os rumos da autenticação eletrônica no direito brasileiro.

 


Referências

BORBA, Mozart. Diálogos sobre o CPC. 12. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2025. 1488 p. (Coleção Diálogos).

BRASIL. Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 20 dez. 2006.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 17 mar. 2015.

BRASIL. Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020. Dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 24 set. 2020.

BRASIL. Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001. Institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 27 ago. 2001.

SCHREIBER, Anderson. Contratos eletrônicos: validade e eficácia no direito brasileiro. São Paulo: Atlas, 2019.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Brasil). AgInt no AREsp n. 1.917.838/RJ. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Julgado em: 23 ago. 2022. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 9 set. 2022.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Apelação Cível n. 0800505-55.2023.8.12.0029. Relator: Des. João Maria Lós. 1ª Câmara Cível. Julgado em: 14 ago. 2023. Publicado em: 16 ago. 2023.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PARANÁ. Apelação Cível n. 0002638-95.2020.8.16.0146. Relatora: Des. Ana Cláudia Finger. 8ª Câmara Cível. Julgado em: 19 nov. 2024. Publicado em: 26 nov. 2024.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Apelação Cível n. 1009194-75.2024.8.26.0451. Relator: Des. Jacob Valente. 12ª Câmara de Direito Privado. Julgado em: 21 out. 2024. Publicado em: 21 out. 2024.

[1] TJ-PR 00026389520248160146 Rio Negro, Relator.: ana claudia finger, Data de Julgamento: 19/11/2024, 8ª Câmara Cível, Data de Publicação: 26/11/2024.

TJ-SP – Apelação Cível: 10091947520248260451 Piracicaba, Relator.: Jacob Valente, Data de Julgamento: 21/10/2024, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/10/2024

TJ-MS – AC: 08005055520238120029 Naviraí, Relator: Des. João Maria Lós, Data de Julgamento: 14/08/2023, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 16/08/2023

Cícero Alisson Bezerra Barros é juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, formado em Direito pela Faculdade Paraiso (FAP-CE), especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Regional do Cariri (Urca), com experiência e atuação prática em Direito Público e Privado e estudos na áreas de informatização processual e aplicação de tecnologias ao Poder Judiciário.

Leia o artigo no site Consultor Jurídico

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