
Por Thiago Bastos
A transformação digital das relações jurídicas, intensificada nos últimos anos, especialmente no pós-pandemia, redefiniu paradigmas na celebração e execução de contratos. Plataformas digitais de assinatura, como o gov.br, DocuSign e Clicksign, ganharam espaço na rotina de profissionais, empresários e advogados, desafiando os modelos tradicionais de validação documental.
Nesse novo contexto, uma pergunta se impõe com relevância crescente: um contrato particular, assinado digitalmente e sem a presença de testemunhas, possui força executiva?
E justamente, sobre essa questão, analisando a legislação brasileira, a jurisprudência atual e a doutrina moderna, com especial enfoque na prática empresarial e societária, é fundamental que o operador do direito compreenda como a evolução dos meios de autenticação documental impacta diretamente a validade, a exigibilidade e a segurança jurídica dos contratos.
A resposta a essa indagação não apenas orienta a formalização adequada dos instrumentos contratuais, como também redefine os critérios de risco, eficácia e eficiência na gestão documental no meio empresarial contemporâneo, e além da segurança jurídica, otimiza o tempo do empreendedor em tempos atuais.
Exigência tradicional do CPC: o papel das testemunhas
Nos termos do artigo 784, inciso III, do Código de Processo Civil de 2015, considera-se título executivo extrajudicial o “documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas”. Tradicionalmente, essa exigência visava garantir a autenticidade e a voluntariedade da assinatura, funcionando as testemunhas como validadores extrínsecos da relação obrigacional.
Essa previsão, entretanto, foi concebida em um cenário em que a tecnologia não oferecia mecanismos capazes de assegurar, de forma independente, a autoria e a integridade do documento. Em tal contexto, a assinatura manual, isolada, carecia de robustez para gerar, por si só, segurança jurídica plena.
Assinatura digital como evolução jurídica e tecnológica
Com a edição da Medida Provisória nº 2.200-2/2001, que criou a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), passou-se a admitir a assinatura digital com presunção de veracidade e autenticidade. Esse modelo, baseado em criptografia assimétrica e certificação digital, confere ao documento assinado eletronicamente uma proteção contra fraudes e adulterações superior à verificação testemunhal tradicional.
Ferramentas modernas, como a plataforma gov.br (níveis prata e ouro), garantem a identificação segura do signatário por meio de validações biométricas, bancárias ou via certificado ICP-Brasil. O resultado é um instrumento com alto grau de confiabilidade, que dispensa formalidades ultrapassadas.
Jurisprudência e doutrina: um caminho sem volta
A jurisprudência nacional tem caminhado de forma consistente no sentido de reconhecer a plena exigibilidade de contratos digitais assinados com certificação válida, ainda que desprovidos de testemunhas. Tribunais estaduais e o Superior Tribunal de Justiça têm afirmado que a assinatura digital substitui com segurança a função das testemunhas, uma vez que o certificado digital atesta a autoria e impede alterações no conteúdo após a assinatura.
A doutrina contemporânea tem sido categórica ao defender uma interpretação teleológica e sistemática do artigo 784, inciso III, do Código de Processo Civil, alinhada às transformações tecnológicas do direito contratual.
O que se busca com tal dispositivo legal não é a mera formalidade da assinatura acompanhada por testemunhas, mas sim a efetiva comprovação da autenticidade, integridade e voluntariedade do ato jurídico.
Nesse sentido, as ferramentas de certificação digital — especialmente aquelas amparadas pela ICP-Brasil — não apenas suprem essa finalidade com rigor técnico superior, como tornam obsoleta a exigência de testemunhas, promovendo maior segurança jurídica, celeridade e eficiência à prática contratual moderna.
Contratos híbridos: riscos e fragilidades
Uma situação cada vez mais frequente na prática jurídica é o chamado contrato híbrido, no qual uma parte assina o instrumento de forma digital e a outra de forma física. Embora essa prática possa parecer viável sob uma ótica informal, ela acarreta riscos jurídicos relevantes.
A integridade do documento, que é um dos fundamentos técnicos da assinatura digital, é comprometida quando se insere manualmente uma assinatura em um arquivo originalmente eletrônico, o que rompe a cadeia de autenticação criptográfica. Como resultado, perde-se a rastreabilidade e a segurança do conteúdo, abrindo margem para questionamentos quanto à autoria, integridade e eficácia executiva do contrato.
Ademais, o princípio da uniformidade das formas impõe que todos os signatários adotem o mesmo meio de manifestação de vontade, salvo em hipóteses específicas previstas em lei. A divergência entre os formatos pode configurar vício formal, comprometendo a exigibilidade do contrato e gerando insegurança jurídica.
Entretanto, ainda é preciso reconhecer que nem todos os signatários dominam as tecnologias necessárias, possuem certificado digital ou acesso regular à plataforma gov.br. Contudo, o avanço tecnológico tem como principal objetivo facilitar e democratizar o acesso à segurança jurídica.
Desta forma, a resistência à modernização — muitas vezes por inércia, comodismo ou falta de atualização técnica — não apenas dificulta o fluxo dos negócios jurídicos, como também expõe profissionais e partes à obsolescência legal e prática. No campo do Direito, ficam para trás aqueles que não acompanham a evolução normativa e instrumental da profissão, comprometendo a eficácia dos atos que produzem ou subscrevem.
Importância da certificação ICP-Brasil
Ainda vivemos um período de transição jurídica e cultural, marcado pela ascensão das ferramentas digitais, mas também por dúvidas e equívocos quanto ao seu uso e valor jurídico. No atual cenário de popularização das assinaturas eletrônicas, é essencial que operadores do direito, empresários e profissionais em geral saibam distinguir entre plataformas com respaldo legal efetivo e aquelas que oferecem apenas soluções aparentes de praticidade.
Enquanto a assinatura digital com certificação no padrão ICP-Brasil — como ocorre nos níveis prata e ouro do gov.br ou por meio de certificados A1/A3 — garante autenticidade, integridade e presunção legal de validade, muitas plataformas disponíveis no mercado se limitam a métodos de validação simples, como e-mail, SMS ou geolocalização.
Embora úteis para negócios informais ou relações de confiança mútua, essas formas não possuem a força probatória exigida para assegurar exigibilidade plena em juízo, nem o respaldo necessário que comprove sua autenticidade.
Nesse contexto, o novo exige discernimento jurídico: o uso de tecnologia, por si só, não assegura validade — o que importa é a conformidade técnica com os parâmetros legais vigentes. Adotar ferramentas sem certificação adequada pode comprometer não apenas a eficácia do contrato, mas também a credibilidade do profissional que o redigiu ou recomendou.
Reflexos na prática empresarial e societária
A formalização de contratos — sejam eles de natureza civil, empresarial ou mesmo atos societários — tem se adaptado de forma notável à nova realidade digital. Até mesmo as Juntas Comerciais, já reconhecem a validade de contratos sociais e atos constitutivos assinados digitalmente, mesmo sem a presença de testemunhas, desde que observados os critérios técnicos exigidos em lei, como a utilização de certificação digital no padrão ICP-Brasil ou validação por meio do gov.br (nível prata ou ouro).
Essa evolução normativa e administrativa tem proporcionado maior celeridade e desburocratização na constituição de sociedades, no registro de alterações contratuais e na celebração de negócios empresariais em geral. Mais do que uma mudança de procedimento, trata-se de uma transição cultural que fortalece a segurança jurídica e a efetividade dos atos praticados, sem perder de vista os princípios da boa-fé, autenticidade e formalidade mínima.
Referida flexibilização, longe de fragilizar as relações jurídicas, tem se mostrado um mecanismo eficiente de adequação à dinâmica econômica atual, promovendo maior acessibilidade, redução de custos operacionais e compatibilidade com um mercado cada vez mais orientado pela agilidade e pela inovação. O resultado é uma prática contratual mais fluida, confiável e adaptada às exigências da era digital.
Conclusão
Um contrato particular, assinado digitalmente e sem a presença de testemunhas, possui força executiva, desde que respeite os requisitos de autenticidade, integridade e autoria previstos na legislação brasileira. A interpretação moderna do artigo 784, inciso III, do Código de Processo Civil, alinhada às transformações tecnológicas do direito contratual, reconhece que o verdadeiro objetivo do dispositivo legal não é a formalidade da assinatura com testemunhas, mas sim a comprovação inequívoca da vontade das partes, realizada por meio seguro e verificável.
Nesse sentido, a assinatura digital com certificação no padrão ICP-Brasil — incluindo os níveis prata e ouro da plataforma gov.br — supre com maior eficiência os requisitos de validade e exigibilidade, tornando plenamente exequível o contrato eletrônico, mesmo desprovido de testemunhas.
Além disso, em um cenário marcado pela expansão das ferramentas eletrônicas de assinatura, torna-se essencial que operadores do direito, empresários e profissionais saibam distinguir entre plataformas com respaldo legal efetivo e aquelas que oferecem apenas soluções aparentes de praticidade. A validade jurídica de um contrato não está apenas na tecnologia utilizada, mas na sua conformidade com os padrões normativos vigentes.
Mais do que uma alteração de procedimento, estamos diante de uma transição cultural no modo de contratar, que privilegia a agilidade, a rastreabilidade e a segurança jurídica — sempre ancorada nos princípios da boa-fé, da autenticidade e da formalidade mínima. Essa nova realidade exige atualização contínua, discernimento técnico e postura proativa do profissional jurídico.
Nesse cenário, a recusa em adotar práticas jurídicas digitais — muitas vezes enraizada na falta de capacitação técnica ou em posturas conservadoras — compromete diretamente a adaptação do profissional às exigências contemporâneas do Direito. Aqueles que se abstêm de compreender e utilizar as ferramentas tecnológicas disponíveis acabam por limitar a efetividade dos instrumentos que produzem, colocando em risco sua própria atuação. No exercício da advocacia atual, a desconexão com os meios normativos e operacionais modernos implica não apenas perda de relevância profissional, mas a possibilidade concreta de invalidar atos jurídicos que dependem da forma para produzir efeitos.
Em suma, a segurança jurídica, hoje, está ancorada no ambiente digital. E exige, mais do que nunca, um olhar atento, técnico e alinhado com os tempos que se impõem.
Fonte: Consultor Jurídico